10/03/2011

vanda scaravelli





“AWAKENING THE SPINE”

forte e flexível ainda, aos 88 anos de idade, vanda scaravelli continua a praticar utilizando a força da gravidade e a respiração para libertar a onda própria do corpo

por esther myers e kim echlin


tenho observado vanda scaravelli a fazer posturas de extensão da coluna durante mais de dez anos e, de cada vez, sinto-me como se estivesse a observar este movimento pela primeira vez. tive a oportunidade de ver esta mulher de aparência frágil mas poderosa, de mais de oitenta anos de idade, a colocar os seus enormes pés sobre o chão e a falar da noção de ganhar raízes. depois, num movimento ondulatório, rítmico, a arquear-se para trás e para a frente, enquanto falava do crescimento de asas, do voo das aves e de amor. subindo e descendo. acima e abaixo, como se pudesse continuar sempre.

na época em que eu me encontrava a preparar um video acerca de vanda e do seu tipo de prática de yoga, único no género, passei alguns dias com ela na casa da filha, em toronto, onde pude ouvi-la e reflectir sobre a sua vida e o seu amor pelo yoga. em retrospectiva sobre aqueles dias, relembro ainda a descoberta extraordinária que ela constituiu na minha vida.

vanda scaravelli nasceu em florença, itália, em 1908. o seu pai, um bem sucedido homem de negócios e amante da música, foi o criador da “orquestra stabile”, que permitiu a florença ter uma orquestra própria. a mãe, clara corsi, professora, foi uma das primeiras mulheres a atingir um grau académico em itália. os dois criaram em conjunto um “salão” frequentado por alguns dos maiores artistas do século: arturo toscanini, artur schnabel, federico fellini, bronislaw huberman e herman serkin, para mencionar apenas alguns dos que visitavam frequentemente a família na “villa”, il laccio. a própria vanda estudou piano sob a orientação de ernesto consolo. ela descreve a sala de música da família como um dos seus locais favoritos, repleto de luz, com paredes amarelas, onde as pessoas se reuniam para ouvirem concertos privados dados por executantes notáveis, que eram também amigos da família, como o violoncelista pablo casals ou o guitarrista andres segovia. do outro lado de um oceano, quase um século mais tarde, a juventude desta mulher é luminosa, quase mágica. vanda fala desses tempos com um brilho de prazer nos olhos, sem afectação. a vida quotidiana de vanda era preenchida por música, conversação com intelectuais dinâmicos, de espírito aberto e investigativo. ainda criança, acompanhou a sua família à holanda, na busca de algo espiritual e “curativo” (“healing”).

foi lá, em ommen, que ela se encontrou pela primeira vez com krishnamurti. vanda relembra ter estado sentada junto de uma enorme fogueira a cantar canções indianas e a assistir à conversa de krishnamurti, tendo este passado a ficar na “villa”, todos os anos, aquando das suas viagens entre a índia e a américa. ofereciam-lhe, desta forma, um sítio para descansar, um local de paz e tranquilidade, onde não lhe era exigido ser um guru, onde podia escrever e pensar. vanda andava frequentemente com ele a pé e relembra os passeios de carro no seu flaminia ou no mercedes dele. “ele gostava de conduzir, mas desagradava-lhe que as pessoas conduzissem demasiado depressa”. dizia: “tenho este corpo e tenho que velar por ele”. ambos nos interessávamos bastante pelo que víamos – a natureza, os terrenos, as vacas, as montanhas cheias de neve.

vanda casou com luigi scaravelli, professor e erudito de filosofia; tiveram dois filhos. depois da segunda guerra mundial e da morte inesperada do marido, o violinista yehudi menuhin apresentou-a a b.k.s. iyengar, a quem tinha convidado para gstaad, na suíça, onde vanda costumava alugar, todos os anos, um chalé. iyengar, nessa altura, dava aulas diárias a krishnamurti, que se encontrava ali a passar todo o verão, para as suas conferências anuais. vanda salienta que iyengar “teve a amabilidade de me dar, igualmente, uma aula diária”. foi desta forma que, no meio da vida, vanda scaravelli descobriu o yoga. alguns anos mais tarde, por convite de krishnamurti, t.k.v. desikachar visitou o chalé de gstaad, onde pôde ensinar~lhe, e a vanda, a importância da respiração. vanda continuou a estudar, em privado, com iyengar e desikachar, durante vários anos.

após a interrupção das suas visitas regulares a gstaad, vanda passou a trabalhar sozinha, desenvolvendo um método de yoga único, que perdura até hoje, e que é exposto no seu livro “awakening the spine”, datado de 1991. apresentamos, em seguida, excertos das nossas conversas, ocorridas ao longo de dois dias passados em conjunto. sobressaiu sempre, nas suas palavras, a importância de tornar a prática do yoga e as nossas atitudes na vida simples e abertas.

yoga journal: como se iniciou na prática do yoga?

vanda scaravelli: conheci mr. iyengar e ele gentilmente aceitou ensinar-me. fazia-o todas as manhãs. não conseguia resistir, gostava. mr. iyengar é um homem poderoso mas delicado, que me permitiu entrar no meu corpo e compreendê-lo, num período triste da minha vida em que tinha acabado de perder o meu marido e me sentia exausta. através do yoga consegui sobreviver. com iyengar e krishnamurti configurava-se uma possibilidade, uma alternativa. é tal o choque quando alguém próximo morre! foi aí que o yoga me ajudou. não sabia que ele iria ter esse efeito, porque o praticava como o ténis ou outro jogo – era divertido, para mim. mas era também muito mais profundo do que podia entender naquele momento. apercebi-me disso mais tarde.

y.j.: como se sentia, no início?

v.s.: estava feliz! o meu corpo exultava, como uma planta, uma flor. comecei entre os quarenta e os quarenta e cinco anos anos e uma nova vida entrou pelo meu corpo. na natureza as flores desabrocham na primavera e, novamente, no outono. eu sentia-me assim.

y.j.: isso afectou outras áreas da sua vida?

v.s.: houve outras coisas que começaram a funcionar melhor. eu tocava piano na altura e apercebi-me de como a execução com o corpo relaxado e a mente concentrada permitia que a minha técnica surgisse como uma onda. primeiro memorizava as notas, depois ía para o piano. não era a melodia que orientava o cérebro, mas o cérebro que orientava as mãos. era uma colaboração do corpo e da mente.

y.j.: prosseguiu os seus estudos com mr. iyengar e mais tarde com o filho de krishnamacharya, desikachar, durante vários anos. suponho que terá sido então que começou a interessar-se mais pela respiração e em como ela se pode conjugar com as posturas…

v.s.: os efeitos fundamentais do yoga acontecem através da respiração. gostaria de falar sobre a respiração, porque sem atenção a ela não pode haver yoga. começamos a respirar, terminamos respirando e cada movimento que fazemos é acompanhado pela respiração. inspiramos e expiramos. ao inspirarmos, a energia, a força, surge como uma onda e é acompanhada pelo corpo. dá uma sensação relaxante. cada movimento é realizado com essa onda, tornando a pessoa mais maleável e elástica, sem dificuldades. é importante ter isto sempre em mente quando realizamos qualquer tipo de exercício, e também na vida: fluír com, não contra. é tão simples que se torna demasiado simples para ser compreendido. só temos que não agir. quanto mais não agimos, mais somos, e mais as coisas vêm ter connosco. não tente “tornar-se”. já é!

y.j.: será que corremos o risco de “tentarmos tornar-nos” ao realizar uma postura?

v.s.: se está com o seu corpo, não está a tentar tornar-se, está a ser. lentamente, o corpo ajusta-se e vem ao seu encontro, centrando-se através da respiração. “acompanhar” é uma atitude de atenção, de interesse. se estiver atento à respiração no corpo, pode descobrir muitas coisas. não há professor, ou aluno, torna-se o seu próprio professor, o seu próprio aluno.

y.j.: quando os seus professores partiram ficou só. que aconteceu então?

v.s.: quando iyengar e desikachar partiram, tentei tornar as coisas fáceis, encontrar uma via sem esforço.

y.j.: e qual foi essa via?

v.s.: a de fazer as coisas relaxando, sem esforço, com a onda, com movimento, com a respiração. tudo isto torna a prática do yoga muito agradável. permite atingir os mesmos pontos sem tensão, com "allegrezza", pelo que isso se tornou dominante na minha prática.

y.j.: poderia explicar melhor o conceito de "allegrezza"?

v.s.: o termo "allegrezza" traduz a ideia de coração inteligente. quando relaxados, não estamos escravos de ideias. tornamo-nos inteligentes e, ao mesmo tempo, felizes. as posturas saem melhor. no nosso sistema de educação, somos treinados para nos tornarmos em algo. tentamos tornar-nos alguma coisa. arranjamos exemplos e estes eliminam a possibilidade de ser, porque ao seguirmos um modelo tentamos copiá-lo. tudo isto é limitativo, afastando-nos da possibilidade de ser. quando somos, somos o que somos. não nos tornamos. somos. o tornar-se é como um escadaria, que procuramos subir, até chegarmos a um ideal criado pela sociedade. esta é a lógica dominante da educação.

y.j.: já a ouvi referir-se ao fenómeno de “encontrar a gravidade”. pode explicar melhor esta ideia?

v.s.: a gravidade faz parte da natureza. mantém o mundo agregado. estamos todos ligados através dela. estamos ligados à terra. a terra está ligada ao sol. quando estamos em pé, a força da gravidade exerce-se da cintura para baixo. sente-se. a terra puxa-nos para baixo. se estivermos relaxados e atentos ao corpo, podemos sentir esse fenómeno, deixando que ele seja sugado pela terra: é isso, a gravidade. ao mesmo tempo, a parte superior do corpo torna-se leve, aberta, consciente, relaxada.

y.j.: e como é que a gravidade se conjuga com a onda? pode falar-nos um pouco dessa "onda"?

v.s.: a onda está relacionada com a forma como a coluna se movimenta, desde os calcanhares até ao topo da cabeça, com a gravidade. deixamos o corpo afundar-se, afundar-se… e a parte superior torna-se leve. quanto mais nos afundamos mais a parte de cima do corpo ganha em leveza, criando-se uma onda bonita no corpo, que por sua vez se move com ela. a onda que se direcciona para o chão conduz a força da gravidade ao longo da coluna vertebral e a energia através do topo da cabeça. o corpo é atraído para baixo e da cintura para cima surge uma forma maravilhosa de sentir, agir e mexer. dá-nos uma sensação de autoridade, de liberdade, de beleza.

y.j.: o que sugeriria a uma pessoa com problemas na sua prática diária?

v.s.: evite ter uma atitude utilitária, seja no que for. ao fazê-lo, acaba com as coisas. se se entregar ao que estiver a fazer pelo simples prazer de estar ali, tudo resultará bem. eu pratico porque me é natural praticar. não há outra razão, o meu corpo pede-mo.

y.j.: ensinou durante muitos anos. pode falar-nos um pouco sobre o ensino?

v.s.: fui abençoada pelo facto de ter tido bons professores. ensinar é o trabalho mais elevado que alguém pode realizar na vida. ao ensinarmos, estamos a ajudar as outras pessoas. o professor deve ensinar-nos a entendermo-nos melhor e nós próprios devemos fazer o mesmo. todavia, se o corpo ou a mente não aceitarem, teremos que ver porquê, dar um espaço e regressar à questão de uma forma diferente. começamos e terminamos em liberdade. eu queria ensinar mas o objectivo não era meu. queria dá-lo aos outros. vi muitas pessoas a lutarem e a magoarem-se. é como ver uma criança a caír. podemos ajudar a criança a levantar-se do chão. queria dar isso aos outros, tal como quando temos uma coisa bonita e não queremos escondê-la, ou conservá-la apenas nas nossas mãos, mas partilhá-la. fui impelida no sentido de ajudar e, para tanto, desenvolvi a minha atenção. ela aumentou mais e mais, e ao ensinar descobri muitas coisas, apenas olhando para mim própria.

y.j.: o que é que descobriu?

v.s.: ah! saúde, compreensão, criatividade, sobretudo amor. quando estamos abertos, o amor surge. só quando estamos defensivos ou com medo é que as portas se fecham. quando estamos abertos conseguimos comunicar com a pessoa ao nosso lado, com a natureza, com o mundo, somos um com tudo o que nos rodeia. não precisamos de "fazer", as coisas surgem.

y.j.: como é que o yoga combina o corpo e a mente?

v.s.: essa é a beleza do yoga. é o encontro do cérebro com o corpo. quando estamos atentos, concentrados, quando sentimos o que estamos a fazer, há energia. a junção de ambos torna-se energia. é importante compreender isto. quando ambos se encontram juntos há muita energia, que liberta o corpo e torna a mente mais maleável.

y.j.: qualquer pessoa pode fazer yoga, em qualquer idade?

v.s. não há idade para o yoga. pode-se começar aos setenta, oitenta… porque ele é feito de acordo com a gravidade, com a respiração, recebemos sem contrariar, e aí nunca prejudicamos o corpo. o primeiro ponto é não lutar contra si próprio. estar pronto para receber energia. a energia ajuda, a respiração ajuda, não há idade.

y.j.: nas suas posturas há tanto movimento que elas parecem diferentes das posturas "standard".

v.s.: o sentimento é mais interior, porque o movimento é dentro, o sentimento está dentro. é um sentimento de bem-estar que ocorre quando as posturas são feitas sem o objectivo de atingir seja o que for. nunca devemos ter na mente o que desejamos mas sim aquilo que o corpo pode aceitar.

y.j.: ao vê-la a fazer extensões da coluna, para trás, nota-se em si aquela onda que faz com que a extensão pareça cheia de movimento, muito mais livre.

v.s.: sim, é possível ver isso. o que demonstra que mesmo um movimento difícil pode ser um movimento de felicidade, de inacção, de prazer (ri-se). é como dançar, uma dança interior, a dança do corpo dentro de si próprio, cheio de mistério e aventura.

y.j.: a prática do yoga altera a forma de envelhecer, de sentir a idade?

v.s.: o yoga não pode mudar a idade, ela está lá. praticar yoga mantém o corpo com uma saúde melhor. não há velhice. as pessoas idosas defendem-se, frequentemente, e os outros ao seu redor tentam protegê-las, fazendo com que estas fiquem enfiadas numa concha. retiram-se da vida. usam cada vez menos a memória, os braços, as pernas, as faculdades que possuem. mas se elas estão lá, porque não usá-las? porquê pô-las de lado para as usar amanhã? é importante que saibamos não bater em retirada, não perder o contacto com as pessoas e com a vida, que nos dá tanto. não perdermos o contacto com a beleza, não nos pormos de lado. se há coisas de que gostamos, vamos fazê-las, vivê-las! se estamos vivos, vamos viver, dar a nossa energia, a nossa sabedoria, dar o que temos, fisicamente, mentalmente, emocionalmente. sem excesso. saudavelmente. numa palavra, ser simples. é tão saudável!


APLICAÇÃO DAS IDEIAS DE VANDA NA PRÁTICA

uma das qualidades maravilhosas do trabalho de vanda scaravelli é a simplicidade. os três princípios básicos, respiração, gravidade e onda, permanecem os mesmos ao longo da prática, seja qual for o nível desta. uma vez claramente compreendidos estes princípios, uma miríade de pormenores de alinhamento e acção correcta acontecem naturalmente. perguntas como: “o que devo fazer nesta postura?” dissolvem-se, à medida que os princípios se vão tornando mais e mais claros. “o que preciso de fazer para entrar nesta postura?” muda para “o que tenho de não fazer?”.

para integrar esta abordagem na sua prática, comece por posturas nas quais se sinta à vontade. leve o tempo que for necessário para encontrar essas conexões interiores de forma a tornar a sua prática fácil e agradável. demoramos algum tempo até conseguirmos libertar-nos da tensão, do esforço e da necessidade de atingir resultados. esta abordagem abre-nos a porta para descobrirmos, desabrocharmos e florescermos, como aconteceu com vanda. em qualquer momento em que se sinta confuso ou em luta numa postura, regresse à sua respiração, ao contacto do seu corpo com o chão, à sensação de estar a ser suportado pela terra, até que o seu corpo relaxe e a respiração se estabilize.

este princípio é verdadeiro mesmo em posturas geralmente consideradas exigentes e extenuantes. em última instância, em cada respiração restabelecemos a nossa conexão com a terra e a gravidade. com cada expiração deixe-se afundar no chão e em cada inspiração deixe-se abrir, receber, expandir.

tranquilo e centrado, tente encontrar o eixo da coluna. as posturas vão-se rectificando na medida em que o corpo se alinha em torno deste eixo. a coluna vertebral é o centro mecânico, neurológico e energético do corpo. ao encontrarmos a ligação com este ponto central, a tensão e o esforço esvaem-se da musculatura exterior, permitindo a fluidez necessária para ter a experiência da “onda” descrita por vanda. a libertação da coluna acontece num movimento ondulatório, quando a onda da respiração vai ao encontro da onda da coluna. podemos sentir este movimento com uma relativa facilidade em qualquer flexão à frente em que se nos torne possível relaxar e soltar. o movimento essencial da coluna com a respiração é o mesmo em todas as posturas, e uma vez que este movimento se torne claro numa postura podemos transferi-lo gradualmente para outras. depois de familiarizado com as posições, deixe os pormenores e concentre-se simplesmente no chão e no movimento da coluna vertebral enquanto respira.

qualquer acção ou movimento nas posturas acontece na inspiração, enquanto que a expiração permanece completamente passiva. isto significa que as posturas têm um ritmo interior ou pulsação de relaxamento e extensão. a libertação que surge com a respiração pode ser reforçada através da extensão activa. não criamos a libertação, ou a onda, mas podemos aprender a navegá-la, como no surf.

as instruções que se seguem servem como ajuda na aplicação dos três princípios - respiração, gravidade e onda - em algumas das posturas-chaves do yoga. as instruções estão feitas com base no pressuposto de que o aluno se encontra familiarizado com as posições e já as pratica.


SAVASANA
(Relaxamento Profundo)

comece por relaxar-se e render-se, numa disponibilidade para seguir o corpo e permitir que a sua sabedoria o guie. para ter esta experiência, comece por savasana.

deite-se. ouça a sua respiração. deixe caír o seu peso sobre o chão. lentamente, tome consciência do seu corpo, dos seus músculos e do seu estado de relaxamento. deixe que a onda da respiração, inspiração e expiração, passe através de si.

a experiência de savasana é uma linha de base para todas as posturas. com o tempo, tornar-se-á cada vez mais atento a qualquer tensão ou esforço desnecessários nas posturas, concentrando-se no som, textura e ritmo da sua respiração, e em qualquer tensão nos seus músculos. uma pergunta que pode colocar a si próprio sempre na sua prática é: “como posso realizar esta postura com menos esforço?”. a resposta é sempre a mesma: através do soltar, do desenrolar, do abandono de savasana.

em savasana, encontra-mo-nos completamente apoiados, através das costas. quanto mais soltamos, maior o sentimento de ser suportado.


APROFUNDAR A EXPIRAÇÃO

deitado em savasana, flicta os joelhos de forma a ficar com as plantas dos pés no chão. observe o contacto da parte de trás do peito com o chão. concentre a atenção na subida e descida do seu ventre ao respirar. gradualmente, aprofunde a respiração fazendo reentrar suavemente o abdómen na expiração, acompanhando o movimento natural correspondente. pratique o aprofundamento da expiração durante o período de tempo em que se sinta relaxado e confortável com ele e, depois, regresse à respiração normal.

este movimento do abdómen deve ser suave, amplo e fluido. não deve originar sensações de tensão ou contracção. os músculos abdominais massajam delicadamente os órgãos internos e esta massagem penetra gradualmente até à parte anterior da coluna, permitindo-lhe soltar-se e alongar-se.

o aprofundamento intencional da expiração liberta e alonga a coluna e suporta-a também, quando estamos de pé. utilize esta acção aprofundante em qualquer postura, no sentido de proporcionar um maior suporte à coluna, para intensificar a descompressão na postura ou para estimular a “onda” de libertação e alongamento da coluna.


TADASANA
(postura da montanha)

a força da gravidade é de tal forma parte integrante da nossa experiência que tendemos a tomá-la como um dado, ou a ir contra ela. porém, quando nos alinhamos com a gravidade, ela na verdade serve-nos de suporte. a conexão com a gravidade é tanto uma experiência, ou sensação, como a base para o conceito de alinhamento, que é essencial nas posturas. aprendemos a alinhar-nos com a gravidade a partir de dentro e de fora.

vanda utiliza metáforas frequentemente, para nos ajudar a ter a experiência da gravidade. ela desabrochou através da sua prática e, por isso, uma das suas metáforas favoritas é a imagem de uma planta. se fôssemos plantas, o nível do chão situar-se-ía ao nível da cintura, as nossas pernas seriam as raízes e a coluna vertebral e o tronco e a cabeça a flor, crescendo em direcção ascendente. a essência da experiência está no facto de sermos puxados para a terra, sem esforço ou acção da nossa parte. “não peça à flor para se forçar”, diz vanda, “o sol trá-la para cima e as raízes puxam-na para baixo. quanto mais profundas as raízes, mais alto vai a flor. através desta ligação à gravidade podemos ter a experiência do alongamento da coluna, que acontece junto com a onda da respiração.

encontrar o chão - a força da gravidade debaixo de nós - e a consciência de que as nossas pernas, pélvis e coluna são o nosso suporte, permite que a região superior do nosso corpo relaxe e se solte. começamos então a saber, ao nível celular, que os nossos ombros e parte superior do corpo não nos sustentam na vertical. esta consciencialização é frequentemente acompanhada por uma expiração prolongada e um suspiro de alívio quando os nossos ombros relaxam e a tensão desaparece. ao soltarem-se, os nossos corpos alongam-se naturalmente, visto que um músculo é mais comprido quando relaxado que quando tenso. quando o pescoço, ombros e parte superior do corpo relaxam, a cabeça solta-se, para cima, como a de uma tartaruga a saír da casca.

coloque-se com os pés afastados pela largura das ancas. sinta os calcanhares em contacto com o chão. deixe que a gravidade puxe os seus calcanhares para baixo. deixe descer a parte de trás da bacia. relaxe os braços, ombros e omoplatas. concentre a sua atenção no movimento do abdómen, enquanto respira. na expiração, pressione suavemente os músculos abdominais para dentro, para libertar e apoiar a parte de trás da cintura. procure sentir o apoio que este movimento dá à parte superior da coluna, alongando o pescoço e permitindo que a cabeça fique livre e leve.

para tornar a postura mais dinâmica pressione o chão com os calcanhares, afaste os joelhos dos calcanhares, na inspiração, e erga os braços acima da cabeça, com as palmas das mãos e os dedos juntos. suba e incline-se, numa ligeira flexão para trás. Relaxe e descomprima os joelhos na expiração.


SIRSASANA
(postura sobre a cabeça)

nas posturas invertidas o princípio permanece o mesmo, mas geralmente leva mais tempo a sentir-se o início da sua acção. na postura sobre a cabeça, a imagem da planta a florescer é invertida: os cotovelos transformam-se nas raízes, os antebraços na base e as plantas dos pés na flor. é um erro comum pensar-se que necessitamos de força para realizar a postura sobre a cabeça. quando estamos enraizados, alinhados e alongados nesta postura, ela torna-se leve, livre e faz-se sem esforço. comece por ajoelhar-se, colocando os braços na posição correcta para a postura. ao respirar, devemos concentrar-nos na força da gravidade, que nos puxa os cotovelos para o chão. quando os antebraços estão relaxados e estáveis e os cotovelos enraizados, os ombros abrem e expandem-se, as omoplatas sobem e o pescoço alonga-se. comece a levantar as pernas. expire profundamente, para alongar a coluna e procure afastar os ossos da bacia dos ombros. deixe que a ascensão do pélvis transporte as suas pernas para a postura sobre a cabeça. assegure-se de que os seus braços permanecem firmes e bem enraizados ao subir para a postura. nesta, continue a concentrar a sua atenção nos cotovelos, pressionando-os para baixo ao expirar. expire profundamente, de forma a trazer as costelas flutuantes para dentro e a abrir as axilas. a mesma expiração profunda ajuda a alongar a coluna e a afastar a bacia das costas. estique as pernas, sentindo-as a serem impulsionadas para cima pela onda da respiração. relaxe na expiração.

permaneça na postura enquanto se sentir confortável, depois desça, lentamente, continuando a alongar a coluna através da acção da respiração.


PASCHIMOTTANASANA
(flexão do tronco à frente, em posição sentada)

neste tipo de postura, os ossos nos quais nos apoiamos ao sentar tornam-se as raízes, ou o ancoradouro. a coluna e as pernas alongam-se a partir desses pontos. pode tornar-se difícil manter a atenção atrás e em baixo, quando tentamos descer para a frente. se já tiver facilidade nas flexões à frente poderá sentir o benefício de simplesmente se concentrar na respiração e deixar que o corpo se solte na postura.

sente-se no chão com as duas pernas esticadas à frente. agarre os pés, ou coloque as mãos sobre as pernas, onde possa chegar de forma confortável. concentre a sua atenção nos ossos por trás das nádegas, sobre os quais assenta o tronco, deixando que a parte posterior da bacia desça, na expiração. ao sentir o movimento da respiração a penetrar na parte de trás da cintura e do pélvis e depois pela parte de trás do ossos, no chão, sentirá, em simultâneo, uma descompressão dos músculos adjacentes e dos tendões da parte posterior das pernas, que lhe permitirá descer com mais facilidade.

permaneça na postura enquanto puder, continuando a respirar e a libertar, subindo numa inspiração.


ESTHER MYERS


traduzido de “yoga journal” (1995) por nuno cabral


vanda scaravelli morreu em 1999

aos 83 anos publicou um único livro, “awakening the spine” (harper&collins publ.) onde explicita mais detalhadamente o tipo de abordagem do yoga que praticou e desenvolveu ao longo de décadas. trata-se de uma obra única no género pela combinação harmoniosa de princípios técnicos fundamentais a qualquer prática inteligente com reflexões e imagens que, pela sua beleza e profundidade, transmitem uma visão criativa do yoga, simultaneamente pessoal e universalista.