26/02/2013

eterno retorno





dans la leela des mondes infinis
des liens se tissent entre les fils de moi-même
pour la seule joie de me retrouver
dans le regard des gens qui s'aiment

yvan amar

(citado por isabelle padovani)

23/02/2013

jojo






jojo,
voici donc quelques rires
quelques vins quelques blondes
j'ai plaisir à te dire
que la nuit sera longue
a devenir demain

jojo,
moi je t'entends rugir
quelques chansons marines
où des bretons devinent
que saint-cast doit dormir
tout au fond du brouillard

six pieds sous terre jojo tu chantes encore
six pieds sous terre tu n'es pas mort


jojo,
ce soir comme chaque soir
nous refaisons nos guerres
tu reprends saint-nazaire
je refais l'olympia
au fond du cimetière

jojo,
nous parlons en silence
d'une jeunesse vieille
nous savons tous les deux
que le monde sommeille
par manque d'imprudence

six pieds sous terre jojo tu espères encore
six pieds sous terre tu n'es pas mort


jojo,
tu me donnes en riant
des nouvelles d'en bas
je te dis mort aux cons
bien plus cons que toi
mais qui sont mieux portants

jojo,
tu sais le nom des fleurs
tu vois que mes mains tremblent
et je te sais qui pleure
pour noyer de pudeur
mes pauvres lieux communs

six pieds sous terre jojo tu frères encore
six pieds sous terre tu n'es pas mort


jojo
je te quitte au matin
pour de vagues besognes
parmi quelques ivrognes
des amputés du cœur
qui ont trop ouvert les mains

jojo,
je ne rentre plus nulle part
je m'habille de nos rêves
orphelin jusqu'aux lèvres
mais heureux de savoir
que je te viens déjà

six pieds sous terre jojo tu n'es pas mort
six pieds sous terre jojo je t'aime encore


jacques brel

18/02/2013

caminho das flores




no início o trabalho assemelhava-se a uma imitação exterior ou a uma criação mais ou menos regida pela vontade

a partir do centro, bem do interior, nada acontecia

quando perguntava como se poderiam alcançar essas “coisas” interiores, recebia a resposta aparentemente monótona: em primeiro lugar, através de imitações exemplares, o mais frequente e fielmente possível

as aulas decorriam no devido silêncio, pois no oriente desde sempre se valorizou muito a transmissão silenciosa, melhor dizendo, a transmissão “de coração a coração”

o ensinamento era transmitido de pai para um dos seus filhos, e do professor a um dos seus alunos preferidos

o requisito essencial era uma afinidade espiritual entre ambos, mas, sobretudo, a capacidade comprovada do aluno de captar intuitivamente o ensinamento do mestre

mesmo os preceitos de conduta requerem apenas que o ensinamento “verdadeiro” do já falecido mestre se deixe reconhecer e seja de novo vivido, mas não abordam o ensinamento verdadeiro propriamente dito

o verdadeiro conteúdo do ensinamento só se revela àquele que está preparado para o vivenciar, ao que sabe compreendê-lo tantas vezes quantas ele se apresentar

o “espírito verdadeiro” do ensinamento não pode ser expresso por palavras

as palavras são, na melhor das hipóteses, pontes para se chegar a ele

quer isto dizer: aquele que fala não sabe, e aquele que sabe não fala

por isso o mestre, na maioria das vezes, limita-se a executar um trabalho que sirva de padrão ao aluno

a tarefa do aluno é inferir dele a sua essência última e alcançar aquele invisível que está na origem do visível, partindo daquilo que vê

a exigência de atenção é muito mais importante que a actividade excessiva

também não basta empreender o trabalho como quem toma o chá das cinco. o arranjo floral não é um passatempo e não serve para distrair

a aula de arranjo floral entra no quotidiano, não fica à margem. e não é fácil trilhar o caminho das flores de manhã até à noite!

não existe uma “conclusão” da aprendizagem, no sentido que nós lhe damos. mesmo a colocação de três ramos, aparentemente a mais fácil, pode ser muito difícil, se tivermos em conta que deve fazer justiça ao “coração universal”

é quase natural que um europeu aguarde ansiosamente as primeiras aulas de arranjo floral com um espírito de iniciativa vigoroso e desenfreado e um grande sentimento de autoconfiança

e, de facto, para além de umas mãos habilidosas e um gosto artístico, não se poderiam considerar estes atributos como vantagens particularmente desejáveis?

mas logo nas primeiras aulas o principiante que assim pensa é acometido de uma certa perplexidade: ele dá-se conta de que por este caminho não ganha qualquer contacto íntimo, nenhuma relação interior com o ponto de partida desta arte

se o aluno quiser penetrar até às suas raízes, terá de decidir se o seu móbil foi uma atracção por alguns meros momentos estético-artísticos ou se quer vivenciar a totalidade, a universalidade desta arte

no segundo caso, terá sempre que reconhecer que recomeça como uma criança, que todos os tipos de ambição representam obstáculos e que todos os desejos de originalidade pessoal se atravessam no seu caminho

que tem de abstrair-se do seu ego, aprendendo a ser pequeno e modesto, para poder então trabalhar tranquilo e desapegado, conforme lhe exige a atitude espiritual oriental

no início a tónica parece recaír fortemente nesta sintonização preparatória, pois na ausência deste primeiro requisito, tudo o que iniciamos, mesmo como principiantes, estará errado aos olhos do mestre

o mestre viu, no seu próprio exemplo e no exemplo de outros, como o desassossego, a pressa e a impaciência só trazem discórdia à vida e ao ambiente

espreitou as plantas expostas ao vento, à tempestade e à intempérie, como elas se inclinam, baloiçam, como cedem cada vez mais facilmente e deixam imperturbáveis tudo passar sobre si e assim ficam a salvo

a execução propriamente dita é secundária em relação à atitude interior

profundamente imerso em si mesmo, procurava atingir o estado de espírito que lhe permitia tornar-se uno com o coração da flor

ele sabe da sua longa experiência e muito treino que isto não é uma mera figura de retórica, pois só quando se estabelece, literalmente, o estado de união do próprio coração com o coração da flor e, assim, com o “coração universal” – como os mestres florais japoneses exprimem de uma maneira tão feliz – ele repousa na quietude silenciosa da qual emerge espontaneamente o criar e o dar forma, desprovidos de intenção

só gradualmente o aluno se habituará a encarar tudo como não sendo importante nem perturbador e comprovará com satisfação que a a concentração, quando posta à prova, cria raízes - mesmo se algum ruído forte vindo da rua se fizer ouvir na sala de aula, não lhe prestará atenção

deste modo compreende-se a condição essencial desta e de qualquer outra arte japonesa: a necessidade de permanecer em silêncio eterno

e também se compreende que isto é realmente possível quando se arranja força para praticar todos os dias sem se deixar desanimar por nenhum insucesso: a concentração diária, nem que seja apenas por meia hora, representa a melhor forma de equilibrar o fatigante ritmo quotidiano e a actividade desenfreada que apenas dispersa, ao invés de centrar. só descobrimos quanto tempo temos disponível quando deixamos de acreditar que não temos nenhum

uma característica do extremo oriente é começar com o pequeno e o modesto, que não é evidente mas deve ser longamente praticado, até já não existir nenhuma imperfeição, até ser totalmente integrado

os primeiros passos são os mais difíceis

neste caminho, o significado do número três é importante, não só no manuseio das plantas como também na relação com o próximo e com o mundo animal

a linguagem simbólica dos três ramos encontrou a sua expressão em “céu”, “humano” e “terra”. não nos fala apenas do exterior. no núcleo da sua essência vibram os ritmos eternos de forma e conteúdo, de substância e vazio. no círculo do “tri-princípio” o humano está entre o céu e a terra. este princípio do três contém, na sua assimetria, a acção recíproca do pleno e do vazio, da vitalidade e da inacção, contém em si o círculo inteiro. ao trabalhar, o aluno “desdobra” novamente a totalidade de céu, humano e terra numa unidade visível e numa forma simbólica. ele coloca lá dentro as limitações do “eu” e equilibra-as

ao participar com todo o seu ser, o pequeno "eu" torna-se insignificante perante a totalidade do cosmos e dá lugar ao "não eu"

palavras do mestre bokuyo takeda:

- humanos e plantas são mortais e mutáveis; o sentido e a essência do arranjo floral são eternos;
- deve buscar-se a forma exterior trabalhando a partir do interior;
- o material utilizado é secundário, só o pensamento correcto leva a deus
- a união de beleza e virtude é poderosa;
- a beleza em si é insignificante; ela só se completa em união com a “verdadeira” conduta;
- o correcto manuseio das flores aprimora a personalidade;

preceitos de conduta:

- não efectuar nenhum movimento brusco; modos delicados e tranquilos são fundamentais; tratar as flores com doçura;
- humildade, consciência de degraus mais elevados que o nosso;
- não esperar das flores mais do que as suas características permitirem;
- não desdenhar outras escolas, retirar delas o que possa ser bom;
- a superficialidade leva sempre ao erro;

todas as explicações conhecem o seu limite quando se chega à essência última, à verdade; aquilo que não pode ser dito, mas unicamente vivenciado. não se pode apreender o que não se sentiu;

ao manter o ensinamento em segredo, o japonês foi educado num profundo respeito perante todas as realizações artísticas, que constantemente surpreende os estrangeiros. basta observar com quanto respeito se comporta um japonês numa exposição floral, ou observando uma pintura a tinta da china ou segurando nas mãos uma espada valiosa; como se, ao mergulhar na obra do criador, pudesse também participar do seu espírito

as virtudes:

- o que está em cima e o que está em baixo estão em relação através do arranjo floral;
- trazer o “nada” – o universo – no coração;
- maneira de pensar clara e serena. sem pensar é possível encontrar a solução;
- libertação de todas as preocupações;
- trato confiante e cuidadoso com as plantas e os seres da natureza;
- amar e respeitar todos os seres humanos;
- preencher o espaço com harmonia e profundo respeito;
- o “verdadeiro espírito” nutre a vida; ligar o arranjo floral com o sentimento religioso;
- harmonia de corpo e alma;
- abnegação e moderação; livre do mal

(uma “severa disciplina do espírito”)

só quem viveu muito tempo no oriente sabe que por “libertação de todas as preocupações” se entende a capacidade de aceitar com serenidade mesmo os mais cruéis golpes do destino. nas catástrofes naturais tão frequentes no japão, demonstra-se mesmo entre os mais humildes, que por detrás destas palavras pode esconder-se uma espantosa força espiritual

o “trato confiante com a natureza” representa muito mais do que um entusiasmo semtimental pela natureza. esta expressão refere-se muito mais a esse trato produtivo, que descobre a essência das coisas, olhando-se simultaneamente no coração. trazer o “nada” no coração significa possuir o sublime e o último, o próprio “universo”. estar próximo desta essência do universo, poder viver a partir dela, dessa raíz original do coração, cria o “espírito verdadeiro, que nutre a vida”. e, da mesma maneira, aquele que conhecer essa “essência da natureza” irá também compreender a essência do ser humano e “amá-lo e respeitá-lo, por amor do espírito verdadeiro”, que também poderá ser tornado vivo nele. um exemplo disto é a solicitude japonesa perante as catástrofes naturais

a par disto é exigido: “estar vazio de si mesmo”, sem pensamentos mesquinhos e perturbadores, em “harmonia de corpo e alma”, dar espaço ao “coração universal” ser despreocupadamente “tudo e porém nada”, como as flores na pradaria

a expressão significativa do silêncio é dada pela flor ou planta humilde, escolhida justamente por esse motivo, que ocupa um lugar muito importante na sala de chá, mas assiste despretensiosa à cerimónia do chá, com as suas cores leves e a forma apaziguante, como se quisesse sublinhar o significado da ocasião precisamente através do seu silêncio quieto, repousando em si mesma

no espaço amplo do vazio tudo se condensa, realça, é posto em evidência, para se reflectir ao mesmo tempo nesta ilimitude, na força de realização da origem criadora. assim também podemos aproximar-nos da realização assimétrica das linhas do “tri-princípio”, através da sua visível fluidez no silêncio vivo da sala. nesta união de vazio e forma a obra supera as suas fronteiras e limitações. revive como uma criação nova e livre precisamente através dessa contínua força de realização do vazio

também na pintura a tinta da china os espaços vazios são compreendidos como meio indispensável de expressão positiva e cheia de significado. quantas superfícies amplas, na pintura a tinta da china, ocupam o lugar do ar, da neblina, do céu nublado e de superfícies aquáticas apenas insinuadas!

no teatro nô e em antigas peças de teatro representadas no teatro kabuki, as passagens mais impressionantes e mais significativas são precisamente aquelas em que não há nenhuma fala, em que o actor tem de expressar tudo a partir de dentro, sem palavras, através da mais parcimoniosa e porém concentrada mímica e gesto

observar o crescimento e as possibilidades de desenvolvimento da planta significa um enriquecimento da vida afectiva

a fusão em unidade com as flores respira o espírito do samurai e a seriedade da irrevogável e derradeira decisão

o perfeito artista floral é precisamente o que é capaz de criar obras que parecem criação da própria natureza

ao contemplar o “ensinamento verdadeiro” ressalta um conceito de liberdade característico do oriente. a verdadeira liberdade interior é entendida no oriente como um unir-se às formas que encerram o significado das leis cósmicas. o-que-se-une será directamente integrado na coerência última do mundo

embora para os orientais o autodespojamento e a capacidade de se dissolver no princípio espiritual do mundo e da vida seja o objectivo mais elevado e aí se encontre o sentido mais profundo da vida religiosa, isto não significa, porém, que uma obra criada a partir desta atitude tenha de ser inteiramente impessoal. o artista oriental também não pode evitar que a sua obra mostre traços do ser individual – isso faz parte da obra – no entanto a sua individualidade não deve perturbar o espírito das obra, mas deve ser completamente absorvida por este. isso significa que o artista não deve tentar deliberadamente dar uma nota pessoal à sua obra. só na medida em que esta singularidade se manifesta involuntariamente na obra e se funde de forma espontânea com a sua lei essencial numa unidade absoluta, ela é legítima e adquire mesmo um significado profundo

o que está na base do arranjo floral e que deve ser simplesmente vivenciado não tem forma em si mesmo, mas ganha forma assim que se procura representá-lo simbolicamente. é exactamente esta forma espiritual que constitui a ideia de arranjo floral. numa fusão visível, o incomensurável lança luz mesmo sobre as formas mais modestas do mundo sensível

aqui se encontra, sem dúvida, a chave para a compreensão da arte oriental e de toda a vida espiritual do oriente: ver esta “capacidade de abstrair-se de si mesmo” do oriental e esta total não-intencionalidade, que são as mais elevadas manifestações espirituais. é assim que o pintor traça sempre as suas linhas, não como se ele as traçasse, mas “como se elas mesmas se desenhassem a partir da origem”. nem a mais leve intenção de querer dispor as flores de forma “bonita” deve perturbar este estar-imerso-em-si-mesmo, nem sequer a intenção de total não-intencionalidade. por detrás do explicitamente representável, está o indizível e o irrepresentável, ou seja, o que se revela inesperadamente

esta arte não é uma escola de habilidades nem um exercício manual mas sim a experiência de ser


extractos de:

zen e a arte do caminho das flores

gusty l. herrigel