29/06/2012
23/06/2012
no começo do alto, alto vôo
triste sorte
ando na vida à procura
de uma noite menos escura
que traga luar do céu
de uma noite menos fria
em que não sinta a agonia
de um dia a mais que morreu
vou cantando amargurado
vou de um fado a outro fado
que fale de um fado meu
meu destino assim cantado
jamais pode ser mudado
porque do fado sou eu
ser fadista é triste sorte
que nos faz pensar na morte
e em tudo o que em nós morreu
é andar na vida à procura
de uma noite menos escura
que traga luar do céu
joão ferreira rosa
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a partir daí começa o alto, alto vôo
obdulia g.c.
oração
elis regina no teatro villaret (1978)
romaria
é de sonho e de pó
o destino de um só
feito eu, perdido em pensamentos
sobre o meu cavalo
é de laço e de nó
de gibeira o giló
dessa vida, cumprida
a sol
sou caipira pirapora nossa
senhora de aparecida
ilumina a mina escura e funda
o trem da minha vida
o meu pai foi peão
minha mãe solidão
meus irmãos perderam-se na vida
a custa de aventuras
descasei, joguei
investi, desisti
se há sorte, eu não sei
nunca vi
sou caipira pirapora nossa
senhora de aparecida
ilumina a mina escura e funda
o trem da minha vida
me disseram, porém
que eu viesse aqui
pra pedir de romaria e prece
paz nos desaventos
como eu não sei rezar
só queria mostrar
meu olhar, meu olhar
meu olhar
sou caipira pirapora nossa
senhora de aparecida
ilumina a mina escura e funda
o trem da minha vida
renato teixeira
invocação
evoquemos o espaço vazio no nosso próprio corpo, em todas as direcções, simultaneamente
aí, para a mente livre da dualidade, tudo se torna espaço vazio: assente no espaço intermédio da respiração situada entre os caminhos da expiração e da inspiração ela funde-se com a sua fonte original
a posição estável que nesse ponto se revela é a verdadeira postura, no momento em que entregamos em oferenda ao fogo sacrificial esse receptáculo do grande vazio, o nosso próprio corpo: elementos, órgãos, objectos, a própria mente comprendida entre eles, eis a verdadeira oblação, na qual a consciência desempenha o papel de taça sacrificial
vijnana bhairava tantra
exortação
ítaca
quando partires de regresso a ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
ciclopes, lestrogónios, e mais monstros,
um poseidon irado - não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
ciclopes, lestrogónios, e outros monstros,
poseidon em fúria - nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
deves orar por uma viagem longa.
que sejam muitas as manhãs de verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes quanto possas.
e vai ver as cidades do egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.
terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
mas não te apresses nunca na viagem.
é melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que ítaca te dê riquezas.
ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
sem ítaca, não terias partido.
mas ítaca não tem mais nada para dar-te.
por pobre que a descubras, ítaca não te traiu.
sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de ítaca.
constantin cavafy
(trad. jorge de sena)
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estamos todos a regressar
corão
quando partires de regresso a ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
ciclopes, lestrogónios, e mais monstros,
um poseidon irado - não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
ciclopes, lestrogónios, e outros monstros,
poseidon em fúria - nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
deves orar por uma viagem longa.
que sejam muitas as manhãs de verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes quanto possas.
e vai ver as cidades do egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.
terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
mas não te apresses nunca na viagem.
é melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que ítaca te dê riquezas.
ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
sem ítaca, não terias partido.
mas ítaca não tem mais nada para dar-te.
por pobre que a descubras, ítaca não te traiu.
sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de ítaca.
constantin cavafy
(trad. jorge de sena)
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estamos todos a regressar
corão
sugestão
entrega sempre a tua beleza
sem cálculos, sem palavras,
calas-te.
e ela diz por ti: eu sou
e, com mil sentidos, chega,
chega finalmente a cada um
r.m.rilke
sem cálculos, sem palavras,
calas-te.
e ela diz por ti: eu sou
e, com mil sentidos, chega,
chega finalmente a cada um
r.m.rilke
asserção
a via do amor não é
a das palavras rebuscadas
a porta para ele
é a devastação
os pássaros descrevem no céu
grandes círculos que celebram
a sua liberdade
como é que eles a aprendem?
caindo! - e, ao cairem,
ganham asas
jalal al-din rumi
a das palavras rebuscadas
a porta para ele
é a devastação
os pássaros descrevem no céu
grandes círculos que celebram
a sua liberdade
como é que eles a aprendem?
caindo! - e, ao cairem,
ganham asas
jalal al-din rumi
prece
o eu profundo
senhor, que és o céu e a terra
que és a vida e a morte
o sol és tu e a lua és tu e o vento és tu
tu és os nossos corpos e as nossas almas
e o nosso amor és tu também
onde nada está tu habitas
e onde tudo está – (o teu templo) – eis o teu corpo
dá-me alma para te servir e alma para te amar
dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra
ouvidos para te ouvir no vento e no mar
e mãos para trabalhar em teu nome
torna-me puro como a água e alto como o céu
que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos
nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos
faz com que eu saiba amar os outros como irmãos
e servir-te como a um pai
minha vida seja digna da tua presença
meu corpo seja digno da terra, tua cama
minha alma possa aparecer diante de ti
como um filho que volta ao lar
torna-me grande como o sol, para que eu te possa adorar em mim
e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim
e torna-me claro como o dia, para que eu te possa ver sempre em mim
e rezar-te e adorar-te
senhor, protege-me e ampara-me
dá-me que eu me sinta teu
senhor, livra-me de mim
fernando pessoa
voto
vaza-me os olhos: continuarei a ver-te
tapa-me os ouvidos: continuarei a ouvir-te
mesmo sem pés chegarei a ti
mesmo sem boca poderei invocar-te.
decepa-me os braços: poderei abraçar-te
com o coração como se fosse a mão.
arranca-me o coração: palpitarás no meu cérebro
e se me incendiares o cérebro
levar-te-ei ainda no meu sangue
r. m. rilke
15/06/2012
perdão
pedimos a deus que nos perdoe todos os passos em falso bem como as audácias por onde se possa ter aventurado a nossa pluma
que nos perdoe se as nossas palavras não são conformes aos nossos actos
perdão pelos pensamentos que nos terão impulsionado a buscar a afectação e o estilo rebuscado no que escrevemos, numas quantas frases que compusemos, na ciência que nos atrevemos a ensinar
pedimos-lhe que nos conceda, a nós e a vós, comunidade de irmãos, a graça de agirmos em conformidade com a nossa visão e de aspirar pela obtenção do seu contentamento
ibn-al-arif
("les beautés des sessions")
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só a mão que apaga pode escrever o que é verdadeiro
meister eckhart
trad. nc
14/06/2012
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