naquilo que vulgarmente designamos busca, ou caminho espiritual, é inevitável que nos confrontemos com o desafio de observar intimamente os mecanismos que nos comandam: receptivos, abertos ao desconhecido, acolhendo tudo o que se nos apresenta
coloca-se-nos então o problema da nossa autonomia: estaremos livres de um eu e daquilo que o rodeia?
a nossa natureza essencial não se pensa a si própria, não se representa, não se liga a nenhuma característica, não é uma sensação, não tem centro nem periferia
pela compreensão de que não podemos encontrar aquilo que é, intrinsecamente, essa natureza de fundo, procuramos ficar atentos não aos objectos mas à presença na qual eles são apercebidos, permanecendo igualmente libertos da percepção destes, ainda que esta continue, espontaneamente, a ocorrer
nessa independência, deixamos de sentir qualquer possibilidade de controlo, numa assustadora ausência de suportes ou referências
há que ficar aqui, não recuar: sentir o instante em que esta liberdade se revela sem escorregar para o objecto - cuja inutilidade se nos tornou evidente - permanecendo nessa autonomia
é aí que encontramos a presença que conduz a nossa vida
(...)
a ausência de um eu acarreta, naturalmente, a ausência de um outro
trata-se de uma relação de amor, de viver na unidade
geralmente, o que é que desejamos? - ser reconhecidos, ser amados
raramente permitimos ao nosso interlocutor - ou ele a nós - a liberdade de ser
transcender a identificação com a pessoa e viver intensamente esses instantes de graça que se nos apresentam enquanto totalidade manifesta
na verdade, o que é que buscamos? - exactamente essa liberdade, que é nossa desde sempre e para sempre
para quê tentar adquirir ou atingir o que quer que seja?
compreender que basta viver não a presença ou a ausência de alguém mas a presença, tout court
jean klein (à l'écoute de soi/ trad. nc)
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neti neti
não se procurar nas expressões, não se procurar nas reacções, não se procurar nas qualidades, não se procurar nas emoções, não se procurar nas sensações, não se procurar nos pensamentos, não se procurar no corpo, não se procurar nos projectos, não se procurar nas acções, não se procurar no conhecimento, não se procurar nos objectos, não se procurar nos outros, não se procurar no silêncio, não se procurar
encontrar-se na presença onde eles acontecem
nc
presence á l'absence de soi-même
eb
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transversal do tempo
as coisas que eu sei de mim
são pivetes da cidade
pedem, insistem e eu
me sinto pouco à vontade
fechada dentro de um táxi
numa transversal do tempo
acho que o amor
é a ausência de engarrafamento
as coisas que eu sei de mim
tentam vencer a distância
e é como se aguardassem feridas
numa ambulância
as pobres coisas que eu sei
podem morrer, mas espero
como se houvesse um sinal
sem sair do amarelo
joão bosco / aldir blanc