27/04/2011

pluie et vent



as the wind rises
which leaf's turn is it
to fall down?


abbas kiarostami

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eric baret - grans / 10 aôut 2000

tudo o que nos é possível sentir é sempre energia nas suas múltiplas modalidades / o objecto, esse, é criado pelo pensamento / no sentir, tudo é vibração, não há solidez, não há imobilidade, no sentir não há senão movimento, fluidez / quanto mais nos entregamos ao sentir, mais aquilo que antes se nos apresentava como sólido, como fixo, como imobilidade, aparece como movimento e, depois, para lá do movimento, como não separação (o movimento é, ainda, uma forma de separação) / é o imaginário, o "saber" qualquer coisa, que impede o sentir / o saber solidifica, cristaliza / é o saber que cria os objectos, que cria as situações / no não saber, não há situações nem objectos, então, o que fica é uma vibração / quando contemplamos um edifício, uma forma arquitectónica, sem "saber", automaticamente, deixa de haver referências, não há nada de baixo, nada de alto, não há mais, não há menos, não há história / o que é que fica? / fica uma profundidade de cor, ficam volumes, ficam proporções / o que é que são proporções? / as proporções são movimento, a proporção não é fixa, é um sabor, uma coloração, é uma emoção / o edifício desfaz-se, portanto, naturalmente, da sua solidez, que é "saber" / resta uma relação táctil com o edifício / quando o edifício se desfaz eu desfaço-me também, porque não há separação, e quando o edifício perde a sua solidez conceptual, o mesmo se opera em mim / permanece, então, uma não separação táctil / o edifício é (um) em mim, ele é um (em) sentir

(tradução e adaptação - nc 2011)

nota: no discurso de eric baret, o termo "sentir" (do francês "ressentir") é isento de conotações afectivas ou psicológicas, refere-se, antes, a uma emoção fundamental, com base táctil / sensorial mas que transcende o meramente orgânico / fisiológico - dir-se-ía um"sentir" que acontece, como vibração, algures mais profundamente que o próprio "sentimento"...

ninastreet





wild is the wind

love me, love me, love me, love me
say you do
let me fly away with you
for my love is like the wind
and wild is the wind
wild is the wind

give me more than one caress
satisfy this hungriness
let the wind blow through your heart
oh wild is the wind
wild is the wind

you touch me
i hear the sound of mandolins
you kiss me
with your kiss my life begins
you're spring to me
all things to me
don't you know
you're life itself!

like the leaf
clings to the tree
oh my darling cling to me
for we're like creatures of the wind
and wild is the wind
wild is the wind

you touch me
i hear the sound of mandolins
you kiss me
with your kiss my life begins
you're spring to me
all things to me
don't you know
you're life itself!

like the leaf
clings to the tree
oh my darling cling to me
for we're like creatures of the wind
and wild is the wind
wild is the wind, wild is the wind
wild is the wind, wild is the wind


dimitri tiomkine / ned washington

presença

há uma qualidade de frequência, misteriosamente manifesta no encontro fortuito entre seres, que faz tangente ao absoluto, contém e espelha todos os encontros de todos os tempos, reeditando e confirmando, em celebração, a unidade primordial

dizia ramana maharshi, em resposta à angústia e tristeza de alguns discípulos que lhe manifestavam o seu pesar quando tinham que ficar longe dele: "you say i am going away, but where could i go?!"





"num único pensamento criador revivem milhares de noites de amor esquecidas que o tornam grande e sublime"

r.m.rilke - cartas a um jovem poeta

"somos todos parecidos e caminhamos para os mesmos fins"

m. yourcenar - entrevista com m. galey

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esboço breve de testemunho do "eterno encontro", simultaneamente íntimo e impessoal, como evidência de continuidade infinita, celebração do constante regresso ao que nunca esteve ausente, emoção de dissolução num aqui e agora sempre acessível mas nunca verdadeiramente consumável por apropriação, dada a impossibilidade virtual da sua localização no espaço e no tempo






amigo, a ressonância do nosso encontro permanece ainda neste "eu" que, difuso, se me torna ao mesmo tempo difícil situar em algum ponto

o local, os conteúdos da nossa conversa, despojados agora da sua substancialidade, surgem-me como mero "cenário", pretexto, alegre delírio que julga percepcionar solidez e finitude onde não há senão movimento e continuidade

como simultaneamente em face dos dois lados de um tecido sem avesso, quem fala a quem, afinal?... por instantes despida de qualquer crispação conceptual, a própria mente, tímida, emudece, e escuta o que nunca poderá pensar, apenas receber como emoção unificante

por extensão dessa evidência, levadas a um cume de entendimento e comunhão, as palavras rendem-se, exaustas e felizes, à impossibilidade e ao absurdo de prosseguir na tentativa de traduzir o impensável

resta um eco doce de gratidão sem face que, silenciosamente, se estende pelo espaço infinito e que não é mais que o próprio amor, não objectificado



nc 2011

tacteando

entrecortadas por algumas citações de outros autores, alusivas à mesma temática, encontram abaixo algumas reflexões minhas inspiradas em vivências recentes que se articulam com leituras do vijnana bhairava tantra e de palestras de eric baret

por impossibilidade momentânea de encontrar as obras e páginas onde se incluem, deixo em paráfrase os excertos seguintes, convicto de preservar, ainda assim, o seu sentido original:


"duma forma geral, em quase todos os momentos, nós não sentimos o corpo: pensamos o corpo"

eric baret


"a experiência não é o que acontece mas aquilo que nós fazemos com o que acontece"

aldous huxley


"nothing has ever happened, nothing is happening, nothing will ever happen, there has been no creation"

ramesh balsekar (ele próprio parafraseando ramana maharshi)

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o que jamais poderá ser pensado ou classificado por qualquer esforço de apropriação mental, pelas mesmas razões, não precisa de ser descodificado para ser intimamente entendido

em última instância, toda a nossa sensorialidade é táctil e auditiva, todos os sentidos operam por superfícies-fronteiras: pele, retina, papilas gustativas são outros tantos tímpanos, telas do tambor onde, pela poluição do pensamento, ressoa a nossa ilusão de separação: o que inicialmente é simples percepção virgem, canto da vida, torna-se, pela apropriação intelectual, véu de "saber", de entendimento mental que conceptualiza e cristaliza um hipotético "real", completamente imaginário, delírio localizante de partícula onde só há onda, "corpo" onde apenas há processo, postura estática que é puro movimento.

este "saber", que atropela a simples escuta, censura a sensibilidade livre, contrai-a, converte-a em recusa e defesa, encapsula um "eu", como sujeito separado que sente, face a um "outro", sempre ameaçador na sua alteridade imaginada, mesmo quando entendido como amistoso


"what is the sound of one hand clapping?" - perguntam os mestres zen


algumas variações lúdicas sobre a mesma questão, libertadoramente absurda:


- de que lado do tímpano é que o som acontece?

- e de que lado dele é que o silêncio se desvela?

- de que lado estou "eu"?

- quando (penso que) inspiro, o que é que expira (e vice-versa)?

- que sonoridade transmite, e a quem, um tímpano isento de sujeito escutante?

- a percepção do silêncio enquanto tal resulta da ausência de som ou de "auditor"?


quando os sentidos se aquietam e se dissolvem na escuta profunda, ninguém sente nem classifica, só há sentir: a capacidade perceptiva, de novo virgem, agudamente testemunha o silêncio e espelha, em vazio, a não separação primordial

no espaço ilimitado da sensibilidade não localizada, o eu, poroso, esvai-se e presencia, multidireccionalmente, fundido, a sua própria aniquilação no todo

nc 2011



a pausa natural entre a expiração e a inspiração sintoniza-nos e remete-nos para o fundo de silêncio sobre o qual elas são acidentes

o dinamismo da acção inteligente combinado com o abandono, num corpo desperto e numa mente atenta, permitem-nos regressar à vastidão do espaço vazio, pura potência, em que estes acontecem



nc 2009