17/10/2013

aqui, de lá



clamor


ali, onde se ocultam os nossos segredos

poderíamos dizer que esta arte é a de expor, de desvelar, o mais belo, o mais terrível dos segredos

palavras, imagens, gestos, sons, surgem e evoluem no espaço, sem ruído

o espectador olha, ouve e embarca nesse voo como que pela fresta de uma porta ou de uma cortina de palco de onde saísse um raio de luz que lhe permite desvelar a personagem

esta encontra-se a sós consigo própria, não revela o seu segredo a ninguém, liberta, pela respiração, um segredo que já não pode guardar, inaudível porque proveniente do coração

cada espectador capta um instante do segredo, algo que inconscientemente lhe pertence

alcança, em voo, instantes íntimos dele próprio, sonho, expectativa, desejo, brecha, exaltação

trata-se de um movimento ininterrupto, nos dois sentidos, da cena à sala, um encontro, em diálogo

lentamente, cada espectador opera um regresso a si próprio, ao mais profundo do seu ser, lá, onde habita o seu próprio segredo - onde se encontra o significado do teatro e de todas as artes

o actor é um instrumento desse encontro, apenas isso, um movimento

de diferentes formas, cada espectáculo oferece ao espectador a oportunidade de um regresso a si próprio; o espectador entra no espectáculo e esquece-se de si, no final passa pelo movimento inverso

estes dois movimentos representam um abandono ao objecto (cena) e um regresso ao espectador permitindo a este último, enquanto sujeito, recuperar-se, sair da identificação, voltar a si próprio

há uma similitude flagrante entre este processo e a (arque)típica jornada mística de retorno ao sujeito, condição do conhecimento


jean klein, considerações sobre o teatro

(trad/adapt nc)

(foto: clamor de pedro ferreira, rita roberto e tomás maia)