03/07/2011

got it!

bliss



jung dizia que o homem criou a religião para se proteger de deus

no discurso de eric baret, a distinção entre prazer e alegria sugere que o psiquismo humano se serve do primeiro para se defender da segunda: o prazer como forma subtil de contracção (vizinha polar da dor) impede e vela a alegria

o prazer localiza, a alegria irradia em todas as direcções, sem centro

o prazer é periférico, projecta-se num objecto e só nele encontra sentido, a alegria é íntima e impessoal, recebe todos os objectos

no mesmo sentido, muitas escolas sistematizaram o yoga para se defenderem da sensibilidade. codificaram o corpo como estratégia de fuga à evidência - mentalmente aterradora - de que ele não existe, para lá do plano conceptual que constantemente o recria segundo o mesmo esquema

num sentido último, as escrituras são uma defesa que ruidosamente nos distancia do silêncio da tradição eterna, inscrita no éter

mas todos - religião, prazer, sistema de yoga ou de pensamento - só o são, enquanto tais, no instante em que os actualizamos mentalmente, pretendendo conferir-lhes uma forma que obscurece a sensibilidade profunda

sentir o perfume de silêncio que permeia a palavra sagrada, a alegria que o prazer mascara, a vacuidade onde corpo e asana ocorrem

form is emptiness /emptiness is form




vazio no interior, vazio no exterior, como uma jarra vazia no espaço

plenitude no interior, plenitude no exterior, como uma jarra imersa no oceano



hatha yoga pradipika


asana como vazio em continuidade
dentro e fora o mesmo espaço infinito

nc

the kena upanishad

that which cannot be
expressed in words
but by which the tongue speaks
"that" is brahman,
not the god people
worship in ignorance

"that" which does not
think by the brain
but by which the brain thinks,
"that" is brahman.
brahman is not the god
worshipped by men and women,
i assure you

that which does not see by the eye
but the power by which the eye sees
"that" is brahman,
not the god worshipped by the people
i assure you

that which does not
hear by the ear
but the power by which
the ear hears,
"that" alone is brahman,
not the god that men
and women adore,
i assure you

"that" which does not
breathe by the breath,
but the power by which
the breath is drawn,
"that" alone is brahman,
not the god that people praise,
i assure you

ça marche!



il pleut - qui pleut?

il neige - qui neige?

je marche - qui marche?

personne marche - ça marche!


eric baret

eric baret - de l'abandon (3)

sobre a ira

do ponto de vista último, nunca ninguém nos atacou e nunca alguém nos atacará. o vizinho que se nos dirige, irado, fala para si próprio

nunca ninguém nos falou, é impossível. cada um dirige-se à imagem que tem dos outros e que muda constantemente - darmo-nos conta de que cada um de nós apenas "soliloca"

quando nos apercebemos verdadeiramente de que nunca alguém nos falou, realizamos igualmente que nunca alguém nos amou, nem, portanto, agrediu. as pessoas projectam sobre nós o amor, ou o ódio, mas não fazendo mais que comunicar consigo próprias. neste estádio de consciência, deixamos de nos sentir afectados pelos monólogos que vão tendo lugar à nossa volta

profundamente, a agressão não existe. o outro não ataca. quando alguém está apaixonado por nós, não dizemos que essa pessoa nos ataca. quando alguém nos odeia, é como se estivesse, igualmente, apaixonado: essa pessoa olha-nos, sente-nos, escuta-nos, o que lhe dinamiza a vontade de nos acariciar ou de nos bater. os dois impulsos provêm do mesmo estado afectivo. a uns estimulamos o amor, a outros o ódio. passa-se o mesmo face aos animais...

ser afectado por um insulto é uma forma de infantilidade, torna-se impossível, com a maturidade. quando nos sentimos atacados há que agradecermos ao (suposto) atacante porque ele nos revela os nossos limites - se ainda nos é possível sentirmo-nos agredidos, fiquemos gratos à situação: ela demonstra-nos que persiste em nós uma fracção de não liberdade

geralmente não podemos, no entanto, passar de um hábito de reacção a uma disponibilidade não reactiva - falando aqui, naturalmente, de uma não reactividade psicológica: esta pode incluir um golpe de cotovelo, um soco, um insulto ou outro gesto qualquer, mas agimos por razões práticas, não porque fomos agredidos. a acção não provém, forçosamente, de uma reacção, ela pode ser um acto funcional

não somos postos em causa por um aluno que tenta perturbar a nossa aula, enquanto professores: podemos compreendê-lo perfeitamente nas suas razões, sem que isso nos obrigue a uma passividade. sentirmo-nos postos em causa por um aluno ou por uma chamada de atenção é uma fantasia que a certa altura se dissolve

inversamente, quando permanecemos formalmente neutros não há que pensar que nos tornamos passivos: trata-se do contrário! - a passividade está na reactividade, em que repetimos constantemente o mesmo esquema

esta visão não impede o movimento, a acção, mas eles deixam de ocorrer com base em resíduos psicológicos. passo a compreender, num simples instante, que o cão que me quer morder não é um cão mau. ele não tem escolha e eu também não. mas eu posso ver. em seguida, vou oferecer essa visão ao cão

cabe a mim libertar-me, o outro não tem nada com isso. se eu viver de facto essa libertação, até certo ponto vou ajudar o outro, não porque queira fazê-lo ou mo proponha como objectivo mas porque há uma ressonância que se faz, é o dinamismo da própria vida em curso. pensar que o outro deve mudar, que o cão não me deve morder, que o vizinho deve compreender que eu tenho razão, é entrar no imaginário

passo a minha vida a saber e a divulgar como é que os outros me devem ver e como é que eles devem ser. o outro vê-me e é consigo próprio segundo o seu ponto de vista e tem razão!

quando paramos de arrumar o mundo, deixamos os vizinhos tranquilos, ocupamo-nos de nós próprios porque constatamos que "nós próprios" não existe. os vizinhos e o mundo desaparecem enquanto problemas - eis os trabalhos de casa!

sobre os medos:

aquilo que eu passei anos a julgar como sendo o pior que me poderia acontecer é exactamente aquilo de que eu necessitava para me aperceber de que, afinal, vai tudo bem

doença, velhice, pobreza, abandono, solidão: aquilo que eu suponho ser o mais difícil, aquilo com que penso jamais poder confrontar-me, é justamente aquilo a que há que fazer face: é a minha saúde

enquanto não o vivo, transporto-o em mim. e esse medo impede-me de viver. enquanto reprimo a velhice, a doença, a pobreza, o abandono, eles perseguem-me constantemente. essa angústia fica presente, em filigrana, em todas as minhas actividades. assim que ela desperta um pouco mais, atiro-me de imediato numa nova actividade, para esquecer que ela me persegue. chega uma altura em que nos cansamos de fugir daquilo que nos parece terrível e aí abrimo-nos a todas as possibilidades

cada situação que se me apresenta é uma oportunidade de maturação, é a minha plenitude em direcção a si própria

tudo o que tentamos evitar, havemos de encontrar. para algumas pessoas isto é difícil de conceber, mas é garantido: tudo aquilo que tememos, na sua essência, vai acontecer... pelo que, chega um momento em que deixamos de ficar à espera, enfrentamos agora

(as crianças sabem-no bem, pela própria ressonância que nelas fazem as lendas, contos de fadas, dragões e monstros: são inevitáveis, não há escolha, vamos desviar-nos do caminho pelo nosso próprio pé e encontrar o lobo mau, mais cedo ou mais tarde. elas sabem também que o sapo afinal é príncipe, quando há coragem de beijá-lo - n. de t.)

trata-se de um pressentimento. temer alguma coisa significa que o pressentimos. é importante tomarmos consciência daquilo que nos amedronta visto tratar-se do melhor tratamento para nos apercebermos, igualmente, de que o medo não existe e de que somos livres. o nosso imaginário poderá representá-lo de maneira extremamente poética ou dramática mas, em todos os casos, aquilo que nos apavora é aquilo que temos necessidade de encontrar

tal não significa que o pensamento provoque as situações, não entremos nesses delírios e quimeras! - a única fantasia é o medo de qualquer coisa. quando estamos disponíveis tornamo-nos mais concretos: não nos projectamos num futuro, ficamos presentes à nossa ficção... e o imaginário não sobrevive, nunca sobrevive ao presente

claro que quando falamos de fazer face aos acontecimentos isto não quer dizer que se um bulldozer nos atingir não sejamos, de facto, atropelados. há situações que, sem dúvida, põem em causa a nossa integridade física, psíquica, financeira. aqui abordamos apenas o plano psicológico. qualquer que seja o nosso estado corporal ou mental, temos sempre a possibilidade de pressentir o silêncio, podemos estar presentes

a integridade física não é garantida pela tranquilidade nem esta existe para servir aquela

certos acontecimentos ultrapassam a nossa capacidade de integração. se um bulldozer nos atropelar, acabou-se! expostos a um ruído superior às nossa capacidades auditivas, os nossos tímpanos rebentam, uma explosão luminosa situada acima do nosso limiar de tolerância provoca-nos a cegueira. mesmo o assistir a um tipo de drama afectivo com o qual nos identifiquemos demasiado pode igualmente causar sequelas definitivas nesse plano. podemos ficar deprimidos uma vida inteira se, em certas circunstâncias, nos tomarmos por cidadãos de uma nacionalidade: depois de waterloo, alguns viveram décadas entristecidos sem conseguirem contornar esse sentimento. todas as identificações arrastam o seu rol de dramas

mas é agora que transportamos o conselho do tio ou da avó que sentimos ainda influir sobre a nossa forma de reagir a uma situação e é também agora que podemos deixá-lo caír. o passado não é passado

quando olhamos para um amigo, ele transporta na face a sua infância terna, difícil ou violenta, é perceptível nos seus olhos, na sua testa, nas maçãs do rosto. tudo o que habitualmente chamamos passado, vemo-lo no instante / agora. o médico experiente e competente quando olha para um corpo vê instantaneamente todo o seu passado, porém, será que ele vê "no passado"? - não, ele vê o presente. o passado é presente. a intensidade do presente contém todo o passado e todo o futuro

não há que temer a emoção. a tristeza, o ciúme, o desejo, fazem parte da vida. a partir do momento em que não somos destruídos pelas nossas emoções, também não nos sentimos obrigados a satisfazer os nossos desejos. eles podem surgir mas tornam-se uma forma de beleza, de ressonância, de conivência. quer a vida lhes responda ou não, sentimo-nos livres. não nos colocam qualquer problema. dormimos bem na mesma! deixamos de fabricar o que quer que seja para realizarmos os nossos desejos, pelo contrário, experimentamos um grande prazer no nada fazer

nada esperar torna o nosso desejo verdadeiramente poderoso, mágico. é difícil de formular mentalmente: é um desejo não pessoal, um desejo "cósmico". não é um desejo, é uma evidência. qualquer coisa está presente, deixamos que prossiga, "saímos da frente" (n. de t.) a vida vai concretizar as coisas

"aquele que conhece deus sabe que aquele que conhece é outro que não ele próprio"

abd el kader: le livre des haltes


as palavras "deus", "vida", etc, distanciam-nos da disponibilidade, remetam-nos para o exterior

daí que a tradição islâmica tenha recusado a formulação de tudo o que pudesse ser associado a deus. no sentido islâmico, deus é não associado, essa é a sua primeira (não) qualidade. o que quer que lhe associemos, nome, forma, não é ele, ele é a não associação. para os muçulmanos, todos os que tenham criado uma forma de deus são idólatras

mal compreendida, como na estupidez das religiões monoteístas, esta visão vai tender a impôr-se de forma exterior formal. na índia, essa atitude foi responsável pela destruição de inúmeras e maravilhosas formas de expressão, por parte do islão conquistador, desde as primeiras invasões muçulmanas até à decadência do período moghol: exemplo da religião em acção

a linguagem é pobre. como descrever o prazer que sentimos ao acariciar um cão, uma árvore ou um joelho? como contar a alguém a subtileza de um vinho, quando ele vibra no nosso palato, sobre a língua? um fogo de artifício, a vida, a beleza, estão para lá de toda a verbalização. a linguagem é demasiado vulgar para poder expressar o infinitamente rico, ela não é mais que uma imagem que indica uma direcção. a certa altura ela elimina-se - o pressentimento torna-se de tal forma poderoso que deixamos de poder nomear o que quer que seja

quando nos sentamos com um amigo, o que dizemos não é mais que pretexto, o que se passa é como uma dança. por vezes falamos, tocamos, mas não se trata mais que do aspecto mundano da situação, a verdadeira relação situa-se noutro plano, onde a palavra tem pouco lugar. se, a um nível intuitivo, algumas expressões surgem, porque não? - mas são como frases poéticas que transbordam do cérebro... nenhum livro nos pode dizer o que é o amor, a dança, a música, a pintura, o vinho...

excepcionalmente, alguns poetas souberam formular aquilo que ultrapassa a expressão. só é possível aceder a esse "lugar" em momentos de verdadeira tranquilidade. essa disponibilidade abre regiões do cérebro habitualmente inacessíveis - de onde brota a inspiração poética

quando ficámos sem comer durante dias a fio e alguém nos oferece comida esse momento não é de todo o ideal para distinguir a subtileza dos sabores: temos demasiada fome para tanto. para degustar um vinho, para apreciar alimentos, há que não ter sede nem fome

para apreciar plenamente uma situação ou saborear o aroma de o que quer que seja, há que estar livre face a eles

enquanto estivermos expectantes ou em cobrança, não podemos verdadeiramente tocar um corpo: pensamos tocar o outro mas não tocamos senão em nós próprios, encontramos a nossa própria problemática. quando deixamos de ter necessidade de tocar ou de ser tocados, acariciamos de outra forma, passa-se outra coisa

isto verifica-se a todos os níveis. enquanto continuamos a ter necessidade de qualquer coisa, essa coisa limita-nos. há que agir livremente, sem necessidade

sobre a dúvida:

a dúvida é a porta. tudo o que não é dúvida é história. não há mais nada senão dúvida. ao princípio, essa dúvida vai projectar-se sobre o mundo objectivo, "duvidamos de qualquer coisa". depois, a dúvida vai engolir o próprio objecto ao qual se referenciava. vai ficar apenas uma dúvida sem direcção, que é uma escuta

é importante ir deixando caír a objectivação da dúvida. a dúvida é a porta, é o não-saber. não é uma dúvida que projecta no futuro a obtenção de uma não-dúvida mas uma dúvida que se aniquila em mais dúvida. a dúvida deve ser uma verdadeira dúvida, que deixando de incidir sobre objectos duvida de si própria. quando perde a sua qualidade de dúvida resta uma disponibilidade

a dúvida é, já, energia que está a deixar de se dirigir excentricamente, que perde dinamismo para ir para fora. embora ela se oriente ainda para qualquer coisa, duvidamos mas vamos negligenciando aquilo de que duvidamos; vamos ficando apenas com a dúvida; qualquer coisa vai explodir... há que continuar a questionar tudo aquilo de que podemos duvidar, é legítimo. duvidamos do mundo objectivo: há que fazê-lo! a certa altura, surge-nos aquilo de que já não podemos duvidar. viver isso!

o que vai acontecendo não nos merece atenção. só o que não acontece, o que não depende de nenhuma causa, nos interessa. aquilo que não acontece não pode ser nomeado, não tem passado e não pode fazer parte da memória. tudo o que começa e termina, o que se refere a uma data, à história, não nos diz respeito: é decorativo. saber se uma experiência ocorreu ou não no tempo pertence à história. o que me ocorre tem lugar no "não-acontecimento"

é, por isso, fundamental, não atribuir o pressentimento à situação. seja ela qual for, devemos voltar sempre ao pressentimento original, a situação é sempre um pretexto: para uns é uma folha que cai, para outros uma paulada, ou um movimento vazio, uma palavra, um texto... não há nada na palavra, no texto, na paulada: tudo isso é anedota poética que aponta para aquilo que, em nós, é essencial

regressar, constantemente, a esta ressonância profunda. é o que há de mais elevado em nós. não depende de nada. se dependesse de o que quer que fosse, não nos interessaria. se nos fosse transmitida por quem quer que fosse, não a quereríamos. aquilo que nos pode ser dado não nos diz respeito. apenas nos interessa aquilo que não nos pode ser dado nem retirado, o resto é imaginário. daí que não haja ensinamento nem transmissão possíveis. apenas podemos transmitir conceitos

na nossa ressonância íntima, já não há deus, nem religião nem espiritualidade. não há conflito possível. fico disponível ao que recebo. disponível, mesmo, a certos momentos em que me sinto separado: há que aceitá-los também. a separação é uma expressão da não separação. esse sentimento de separação é-me dado como ressonância, devo encontrar aí o essencial. o silêncio encontra-se tanto na presença quanto na ausência, tanto na agitação como no silêncio. não preciso de estar em silêncio para estar em silêncio. corto pela raíz todo o dinamismo, toda a possibilidade de apropriação, de religiosidade

é uma religião sem codificação em que o instante é essencial - eis o âmago do yoga tântrico cachemiriano

sobre a responsabilidade:

na justa medida em que nos assumimos como uma entidade pessoal, há uma forma de responsabilidade. inversamente, quando realizamos a nossa total inexistência, não há responsabilidade possível

a responsabilidade não acontece no plano moral. mas o pensamento é energia: pensar que a nossa felicidade depende duma próxima mulher que nos vai aparecer, a um certo nível engendra um dinamismo. este dinamismo não fica encerrado no nosso corpo. somos co-criadores das diferentes vertentes da sociedade em que vivemos

o pensamento é criativo. então, a partir do momento em que pensamos, tornamo-nos responsáveis porque esse facto acarreta consequências. não se trata de uma responsabilidade moral mas energética. quando pisamos uma formiga, somos responsáveis, não significando isto que devêssemos não a pisar. se empurrarmos alguém na rua e, pelo facto, essa pessoa morrer, somos responsáveis

quando assumimos a nossa vida, gera-se uma forma de responsabilidade - não moral, mas funcional. daí que possa ser perfeitamente plausível que a sociedade nos ponha na prisão ou num pedestal

quando somos felizes, somos responsáveis pela felicidade que se propaga à nossa volta. quando somos infelizes, o mesmo. não significando que pudéssemos deixar de ser uma coisa ou a outra quando as vivemos ou que alguma qualidade moral caracterize a expressão de qualquer delas. mas de facto, quando, por exemplo, a tristeza nos invade, somos responsáveis pela difusão desse veneno à nossa volta

enquanto existe um ego a sentir-se responsável nós não somos, de todo, responsáveis, a responsabilidade que nos atribuimos é imaginária. é justamente quando nos apercebemos de que somos totalmente irresponsáveis que a responsabilidade emerge verdadeiramente. aí, assumimos a nossa responsabilidade, submetendo-nos às condições legais e civis da sociedade. e, aí, não há injustiça

não há injustiça possível, mesmo se deparamos com uma injustiça. o sentimento de injustiça resulta de uma visão fragmentária: o meu vizinho degola a vizinha e acusam-me de o ter feito; eu digo que a situação é injusta porque foi ele, não eu, quem cometeu esse acto. mas, a certa altura, dou-me conta de que não se trata de uma injustiça, os laços da vida são muito mais complexos que esse raciocínio simples

enquanto me imagino responsável, continuo irresponsável. é uma forma de pretensão. só quando consigo discernir a minha total irresponsabilidade é que me torno responsável, sem crítica, sem amargura, face à sociedade. é na completa ausência de qualquer forma de ética que a ética se torna possível. enquanto quero desenvolver um funcionamento ético, mantenho-me no imaginário: será sempre a minha ética e ela estará sempre em conflito com outras éticas

a verdadeira ética é sem conflito. sem nada a defender


_______________________________________________


há que não procurar, nestes encontros, receitas de vida, esquemas de interpretação do mundo, estratégias de atingimento de estados imaginários de segurança, pela captação daquilo que é falado por uma via intelectual

tudo o que aqui foi exposto é facilmente refutável se for ouvido numa perspectiva categorizante e utilitária

do que aqui se passa poderá resultar, naturalmente, a abertura de espaços de ressonância não conceptuais em que a própria expressão que os desvelou se dissolve

ficar nesses espaços intermédios de ressonância


_______________________________________________