11/11/2011

clarice lispector - água viva (excertos)

(selecção e adaptação por nc)

é com uma alegria tão profunda. é uma tal aleluia. aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica, porque ninguém me prende mais. tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido. estou tentando captar a dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque tornou-se um novo instante-já que também não é mais. cada coisa tem um instante em que ela é. eu quero apossar-me do "é" da coisa. e quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já

só no ato do amor - pela límpida abstração de estrela do que se sente - capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si: no amor, o instante de impessoal jóia refulge no ar, glória estranha de corpo, matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes - e o que se sente é ao mesmo tempo que imaterial tão objetivo que acontece como fora do corpo, faiscante no alto

alegria, alegria é matéria de tempo e é por excelência o instante

e no instante está o é dele mesmo. quero captar o meu é. e canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. e meu canto é de ninguém. mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia

escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. é também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. não se compreende música: ouve-se

ouve-me então com teu corpo inteiro

quando vieres a me ler perguntarás porque não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. é agora que sinto necessidade de palavras - e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. a palavra é a minha quarta dimensão

vejo que nunca te disse como escuto música - apóio de leve a mão na eletrola e a mão vibra espraiando ondas pelo corpo todo: assim ouço a eletricidade da vibração, substrato último do domínio da realidade, e o mundo treme nas minhas mãos

e eis que percebo que quero para mim o substrato vibrante da palavra repetida em canto gregoriano. estou consciente de que tudo o que sei não posso dizer, só sei pintando ou pronunciando sílabas cegas de sentido. e se tenho aqui que usar-te palavras, elas têm que fazer um sentido quase que só corpóreo, estou em luta com a vibração última. para te dizer o meu substrato faço uma frase de palavras feitas apenas dos instantes-já

lê, então, o meu invento de pura vibração sem significado senão o de cada esfuziante sílaba, lê o que agora se segue: "com o correr dos séculos perdi o segredo do egito, quando eu me movia em longitude, latitude e altitude com ação energética dos elétrons, prótons, neutrons, no fascínio que é a palavra e a sua sombra" - isso que acabei de te escrever é um desenho eletrônico e não tem passado ou futuro: é simplesmente já

ao escrever não posso fabricar como na pintura, quando fabrico artesanalmente uma cor. mas estou tentando escrever-te com o corpo todo, enviando uma seta que se finca no ponto tenro e nevrálgico da palavra. meu corpo incógnito te diz: dinossauros, ictiossauros e plessiossauros, com sentido apenas auditivo, sem que por isso se tornem palha seca e sim úmida. não pinto ideias, pinto o mais inatingível "para sempre". ou "para nunca", é o mesmo. antes de mais nada, pinto pintura. e antes de mais nada te escrevo dura escritura. quero como poder pegar com a mão a palavra. a palavra é objeto? e aos instantes eu lhes tiro o sumo de fruta. tenho que me destituir para alcançar cerne e semente de vida

o instante é semente viva

a harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito mas o que tortuosamente ainda se faz. minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio. escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar. embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio. sim, quero a palavra última que também é tão primeira que já se confunde com a parte intangível do real

ainda tenho medo de me afastar da lógica porque caio no instintivo e no direto, e no futuro: a invenção do hoje é o único meio de instaurar o futuro. desde já é futuro, e qualquer hora é marcada. que mal, porém, tem eu me afastar da lógica? estou lidando com a matéria prima. estou atrás do que fica atrás do pensamento. inútil querer me classificar, eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais. estou num estado muito novo e verdadeiro, curioso de si mesmo, tão atraente e pessoal a ponto de não poder pintá-lo ou escrevê-lo. é um estado de contato com a energia circundante e estremeço

uma espécie de doida, doida harmonia

fixo instantes súbitos que trazem em si a própria morte e outros nascem - fixo os instantes de metamorfose e é de terrível beleza a sua sequência e concomitância

esta é a vida vista pela vida. posso não ter sentido mas é a mesma falta de sentido que tem a veia que pulsa

quero escrever-te como quem aprende

fotografo cada instante. aprofundo as palavras como se pintasse, mais do que um objeto, a sua sombra. não quero perguntar por que, pode-se perguntar sempre por que e sempre continuar sem resposta: será que consigo me entregar ao expectante silêncio que se segue a uma pergunta sem resposta? embora adivinhe que em algum lugar ou em algum tempo existe a grande resposta para mim. e depois saberei como pintar e escrever, depois da estranha mas íntima resposta. ouve-me, ouve o silêncio

o que te falo nunca é o que eu te falo e sim outra coisa

comecei estas páginas também com o fim de preparar-me para pintar. mas agora estou tomada pelo gosto das palavras e quase me liberto do domínio das tintas: sinto uma voluptuosidade em ir criando o que te dizer, vivo a cerimônia da iniciação da palavra e meus gestos são hieráticos e triangulares

então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. quando essa não-palavra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu. uma vez que pescou a entrelinha, poder-se-ía, com alívio, jogar a palavra fora. mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a. o que salva então é escrever distraidamente

não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. eu não: quero é uma verdade inventada

como o andar de uma negra pantera lustrosa que vi e que andava macio, lento e perigoso - escrevo-te porque não me entendo. mas vou me seguindo. elástica. é um tal mistério essa floresta onde sobrevivo para ser

há muita coisa a dizer que não sei como dizer. faltam as palavras. mas recuso-me a inventar novas. as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. e o que é proibido eu adivinho. se houver força. atrás do pensamento não há palavras: é-se

e sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico, fantástico e gigantesco: a vida é sobrenatural. e caminho segurando um guarda-chuva aberto sobre corda tensa. caminho até o limite do meu sonho grande. vejo a fúria dos impulsos viscerais: vísceras torturadas me guiam. não gosto do que acabo de escrever - mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu

e respeito muito o que eu me aconteço

minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço

estou sendo antimelódica. comprazo-me com a harmonia difícil dos ásperos contrários. para onde vou? e a resposta é: vou

quando eu morrer então nunca terei nascido e vivido: a morte apaga os traços de espuma do mar na praia

agora é um instante

já é outro agora

e outro. meu esforço: trazer agora o futuro para já

mais que um instante, quero o seu fluxo - o que te digo deve ser lido rapidamente como quando se olha

ouve-me, ouve meu silêncio. o que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. quando digo "águas abundantes" estou falando da força de corpo nas águas do mundo. capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. lê a energia que está no meu silêncio. ah! tenho medo de deus e do seu silêncio

sou-me

mas há também o mistério do impessoal que é o "it". eu tenho o impessoal dentro de mim e não é corrupto e apodrecível pelo pessoal que às vezes me encharca: mas seco-me ao sol e sou um impessoal de caroço seco e germinativo. meu pessoal é húmus na terra e vive do apodrecimento. meu "it" é duro como uma pedra-seixo

a prece profunda é uma meditação sobre o nada. é o contacto seco e eléctrico consigo, um consigo impessoal

a verdade está em alguma parte. mas, inútil pensar. não a descobrirei e, no entanto, vivo dela

tenho certo medo de mim, não sou de confiança e desconfio do meu falso poder

esta é a palavra de quem não pode. não dirijo nada. nem as minhas próprias palavras. mas não é triste: é humildade alegre. eu, que vivo de lado, sou à esquerda de quem entra. e estremece em mim o mundo

estou livre? tem qualquer coisa que ainda me prende. ou prendo-me a ela? também é assim: não estou toda solta por estar em união com tudo. aliás, uma pessoa é tudo. não é pesado de se carregar porque simplesmente não se carrega: é-se o tudo

esta palavra a ti é promíscua? gostaria que não fosse, eu não sou promíscua. mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro

na hora de pintar ou escrever sou anônima. meu profundo anonimato que nunca ninguém tocou

e ninguém é eu. ninguém é você. esta é a solidão

nunca é o impossível. gosto de nunca. também gosto de sempre. que há entre nunca e sempre que os liga tão indiretamente e intimamente?

no fundo de tudo há a aleluia

minha vida vai ser longuíssima porque cada instante é. a impressão é que estou por nascer e não consigo

ouço o ribombo oco do tempo. e o mundo, surdamente, se formando. se eu ouço, é porque existo antes da formação do tempo. "eu sou" é o mundo. mundo sem tempo. a minha consciência agora é leve e é ar. o ar não tem lugar nem época. o ar é o não-lugar onde tudo vai existir. o que estou escrevendo é música do ar. a formação do mundo. pouco a pouco se aproxima o que vai ser. o que vai ser já é. o futuro é para a frente e para trás e para os lados. o futuro é o que sempre existiu e sempre existirá. mesmo que seja abolido o tempo? o que estou te escrevendo não é para se ler - é para se ser

a coragem de viver: deixo oculto o que precisa ser oculto e precisa irradiar-se em silêncio

calo-me

bem atrás do pensamento tenho um fundo musical. mas ainda mais atrás há o coração batendo

assim, o mais profundo pensamento é o coração batendo

que música belíssima ouço no profundo de mim. é feita de traços geométricos se entrecruzando no ar. é música de câmara. música de câmara é sem melodia. é modo de expressar o silêncio. o que te escrevo é de câmara

não tenho estilo de vida: atingi o impessoal, o que é tão difícil. daqui a pouco, a Ordem vai me mandar ultrapassar o máximo. ultrapassar o máximo é viver o elemento puro. tem pessoas que não aguentam: vomitam

mas eu estou habituada ao sangue

arrepio-me toda ao entrar em contato físico com bichos ou com a simples visão deles. os bichos me fantasticam. eles são o tempo que não se conta. pareço ter certo horror daquela criatura viva que não é humana e que tem meus próprios instintos embora livres e indomáveis

animal nunca substitui uma coisa por outra

não humanizo bicho porque é ofensa - há de respeitar-lhe a natureza - eu é que me animalizo. não é difícil e vem, simplesmente. é só não lutar contra, e é só entregar-se

não ter nascido bicho é uma minha secreta nostalgia. eles às vezes chamam do longe muitas gerações e eu não posso responder senão ficando inquieta. é o chamado

nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante. esta dificuldade é dor humana. é nossa. eu me entrego em palavras e me entrego quando pinto

mesmo para os descrentes há o instante do desespero, que é divino: a ausência do deus é um ato de religião

estou cansada. meu cansaço vem muito porque sou pessoa extremamente ocupada: tomo conta do mundo

você há de me perguntar porque tomo conta do mundo. é que nasci incumbida

não vê que isto aqui é como filho nascendo? dói. dor é vida exacerbada. o processo dói. vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. é o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar. e o sangue agradece. respiro, respiro. às vezes não aguento a força da inspiração. então pinto abafado

é tão bom que as coisas não dependam de mim

mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas - nunca o ato de entrega se fará. tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e, sobretudo, a incompreensão. e quem sou eu para ousar pensar? devo é entregar-me. como se faz? sei porém que só andando é que se sabe andar e - milagre - se anda

como te explicar? vou tentar. é que estou percebendo uma realidade enviesada. vista por um corte oblíquo. só agora pressenti o oblíquo da vida. antes só via através de cortes retos e paralelos. não percebia o sonso traço enviesado. agora adivinho que a vida é outra. que viver não é só desenrolar sentimentos grossos - é algo mais sortilégico e mais grácil, sem por isso perder o seu fino vigor animal. sobre essa vida insolitamente enviesada tenho posto minha pata que pesa, fazendo assim com que a existência feneça no que tem de oblíquo e fortuito e no entanto ao mesmo tempo sutilmente fatal. compreendi a fatalidade do acaso e não existe nisso contradição

a vida oblíqua é muito íntima, não digo mais sobre essa intimidade para não ferir o pensar-sentir com palavras secas. para deixar esse oblíquo na sua independência desenvolta

sim a vida é muito oriental

só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida. é como saber arrumar flores num jarro: uma sabedoria quase inútil. essa liberdade fugitiva de vida não deve jamais ser esquecida: deve estar presente como um eflúvio

viver essa vida é mais um lembrar-se indireto dela do que um viver direto

lembrar-se com saudade é como se despedir de novo

só para os iniciados a vida então se torna fragilmente verdadeira. e está-se no instante-já: come-se a fruta na sua vigência

a vida oblíqua? bem sei que há um desencontro leve entre as coisas, elas quase se chocam, há desencontro entre os seres que se perdem uns aos outros entre palavras que quase não dizem mais nada. mas quase nos entendemos nesse leve desencontro, nesse quase que é a única forma de suportar a vida em cheio, pois um encontro brusco face a face com ela nos assustaria, espaventaria os seus delicados fios de teia de aranha

nós somos de soslaio para não comprometer o que pressentimos de infinitamente outro nessa vida de que te falo

vivo de um segredo que se irradia em raios luminosos que me ofuscariam se eu não os cobrisse com um manto pesado de falsas certezas

eu vivo de lado - lugar onde a luz central não me cresta. e falo bem baixo para que os ouvidos sejam obrigados a ficar atentos e a me ouvir

mas conheço também outra vida ainda. conheço e quero-a e devoro-a truculentamente. é uma vida de violência mágica. é misteriosa e enfeitiçante. nela as cobras se enlaçam enquanto as estrelas tremem. gotas de água pingam na obscuridade fosforescente da gruta. nesse escuro as flores se entrelaçam em jardim feérico e úmido. e eu sou a feiticeira dessa bacanal muda. sinto-me derrotada pela minha própria corruptibilidade. e vejo que sou intrinsecamente má. é apenas por pura bondade que sou boa. derrotada por mim mesma. que me levo aos caminhos da salamandra, gênio que governa o fogo e nele vive. e dou-me como oferenda aos mortos. faço encantações no solstício, espectro de dragão exorcizado

minha anarquia obedece subterraneamente a uma lei onde lido, oculta, com astronomia, matemática e mecânica. a liturgia dos enxames dissonantes dos insetos que saem dos pântanos nevoentos e pestilentos. insetos, sapos, piolhos, moscas, pulgas e percevejos - tudo nascido de uma corrupta germinação malsã de larvas. e minha fome se alimenta desses seres putrefatos em decomposição. meu rito é purificador de forças. mas existe malignidade na selva. bebo um gole de sangue que me plenifica toda. ouço címbalos e trombetas e tamborins que enchem o ar de barulhos e marulhos abafando então o silêncio do disco do sol e seu prodígio. quero um manto tecido com fios de ouro solar

o sol é a tensão mágica do silêncio

na minha viagem aos mistérios ouço a planta carnívora que lamenta tempos imemoriais: e tenho pesadelos obscenos sob ventos doentios. estou encantada, seduzida, arrebatada por vozes furtivas. as inscrições cuneiformes quase ininteligíveis falam de como conceber e dão fórmulas de como se alimentar da força das trevas. falam das fêmeas nuas e rastejantes. e o eclipse do sol causa terror secreto que, no entanto, anuncia um esplendor do coração. ponho sobre os cabelos o diadema de bronze

e na minha noite sinto o mal que me domina. o que se chama de bela paisagem não me causa senão cansaço. gosto é das paisagens de terra esturricada e seca, com árvores contorcidas e montanhas feitas de rocha e com uma luz alvar e suspensa. ali, sim, é que a beleza recôndita está. sei que também não gostas de arte. nasci dura, heróica, solitária e em pé. e encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza. a feiúra é o meu estandarte de guerra. eu amo o feio com um amor de igual para igual. e desafio a morte. eu - eu sou a minha própria morte. e ninguém vai mais longe. o que há de bárbaro em mim procura o bárbaro cruel fora de mim. vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. sou uma árvore que arde com duro prazer. só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. é o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar, comiseravelmente, o sacrifício da noite

equilíbrio perigoso, o meu, perigo de morte de alma. a noite de hoje me olha com entorpecimento, azinhavre e visgo. quero dentro desta noite que é mais longa que a vida, quero, dentro desta noite, vida crua e sangrenta e cheia de saliva. quero a seguinte palavra: esplendidez, esplendidez é a fruta na sua suculência, fruta sem tristeza. quero lonjuras. minha selvagem intuição de mim mesma. mas o meu principal está sempre escondido

sou implícita. e quando vou me explicitar perco a úmida intimidade

a ventania me chama. sigo-a e me estraçalho. se eu não entrar no jogo que se desdobra em vida perderei a própria vida num suicídio da minha espécie. protejo com o fogo meu jogo de vida. quando a existência de mim e do mundo ficam insustentáveis pela razão - então me solto e sigo uma verdade latente - será que eu reconheceria a verdade se esta se comprovasse?

é a luz secreta de uma sabedoria da fatalidade: a pedra fundamental da terra

no meu mundo pouca liberdade de ação me é concedida. sou livre apenas para executar os gestos fatais

estou me fazendo, eu me faço até chegar ao caroço

de mim no mundo quero te dizer da força que me guia e me traz o próprio mundo, da sensualidade vital de estruturas nítidas, e das curvas que são organicamente ligadas a outras formas curvas. meu grafismo e minhas circunvoluções são potentes e a liberdade que sopra no verão tem a fatalidade em si mesma. o erotismo próprio do que é vivo está espalhado no ar, no mar, nas plantas, em nós, espalhado na veemência de minha voz

eu te escrevo com minha voz

estou sentindo o martírio de uma inoportuna sensualidade. de madrugada acordo cheia de frutos

quem virá colher os frutos de minha vida? senão tu e eu mesma? porque é que as coisas um instante antes de acontecerem parecem já ter acontecido? é uma questão de simultaneidade do tempo. e eis que te faço perguntas e muitas estas serão

porque sou uma pergunta

atrás do pensamento atinjo um estado. recuso-me a dividi-lo em palavras - e o que não posso e não quero exprimir fica sendo o mais secreto dos meus segredos. sei que tenho medo de momentos nos quais não uso o pensamento. é um momentâneo estado difícil de ser alcançado, e que, todo secreto, não usa mais as palavras com que se produzem pensamentos. não usar palavras é perder a identidade? é se perder nas essenciais trevas daninhas?

perco a identidade do mundo em mim e existo sem garantias. realizo o realizável mas o irrealizável eu vivo e o significado de mim e do mundo e de ti não é evidente. é fantástico, e lido comigo nesses momentos com imensa delicadeza. deus é uma forma de ser? é a abstração que se materializa na natureza do que existe? minhas raízes estão nas trevas divinas. raízes sonolentas. vacilando nas escuridões

e eis que sinto que em breve nos separaremos. minha verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia. agora sei - sou só. eu e a minha liberdade que não sei usar. grande responsabilidade da solidão

quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama

quanto a mim, assumo a minha solidão. que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor

e a dor, silêncio

guardo o seu nome em silêncio

preciso de segredos para viver

para cada um de nós e - em algum momento perdido na vida - anuncia-se uma missão a cumprir? recuso-me, porém, a qualquer missão

não cumpro nada, apenas vivo

é tão curioso e difícil substituir agora o pincel por essa coisa estranhamente familiar mas sempre remota, a palavra. a beleza extrema e íntima está nela. mas é inalcançável - e quando está ao alcance eis que é ilusório porque, de novo, continua inalcançável. evola-se da minha pintura e destas minhas palavras acotoveladas um silêncio que também é como o substrato dos olhos

há uma coisa que me escapa o tempo todo. quando não escapa, ganho uma certeza: a vida é outra. tem um estilo subjacente

escrevo-te em desordem, bem sei. mas é como vivo. eu só trabalho com achados e perdidos

sim, o que te escrevo não é de ninguém. e essa liberdade de ninguém é muito perigosa. é como o infinito, que tem cor de ar

vou te dizer uma coisa: não sei pintar nem melhor nem pior do que faço. eu pinto um "isto". e escrevo um "isto" - é tudo o que posso. inquieta. os litros de sangue que circulam nas veias. os músculos se contraindo e retraindo. a aura do corpo em plenilúnio

parambólica - o que quer que queira dizer essa palavra. parambólica que sou

não me posso resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs

eu sou uma cadeira e duas maçãs

e não me somo

tente entender o que pinto e o que escrevo agora. vou explicar: na pintura, como na escritura, procuro ver estritamente no momento em que vejo - e não ver através da memória de ter visto num instante passado

o instante é este

o instante é de uma iminência que me tira o fôlego. o instante é, em si mesmo, iminente. ao mesmo tempo que eu o vivo, lanço-me na sua passagem para outro instante

foi assim que vi o portal de igreja que pintei. você discutiu o excesso de simetria. deixa eu te explicar: a simetria foi a coisa mais conseguida que fiz. perdi o medo da simetria depois da desordem da inspiração. é preciso experiência ou coragem para revalorizar a simetria, quando facilmente se pode imitar o falso assimétrico, uma das originalidades mais comuns. minha simetria nos portais da igreja é concentrada, conseguida, mas não dogmática. é perpassada pela esperança de que duas assimetrias encontrar-se-ão na simetria. esta como solução terceira: a síntese. daí talvez o ar despojado dos portais, a delicadeza de coisa vivida e depois revivida, e não um certo arrojo inconsequente dos que não sabem

não, não é propriamente tranquilidade o que está ali

há uma dura luta pela coisa que apesar de corroída se mantém de pé. e nas cores mais densas há uma lividez daquilo que mesmo torto está de pé. minhas cruzes são entortadas por séculos de mortificação. os portais já são um prenúncio de altares? o silêncio dos portais. o esverdeamento deles toma um tom do que estivesse entre vida e morte, uma intensidade de crepúsculo

e nas cores quietas há bronze velho e aço - e tudo ampliado por um silêncio de coisas perdidas e encontradas no chão da íngreme estrada. sinto uma longa estrada e poeira até chegar ao pouso do quadro. mesmo que os portais não se abram. ou já é igreja o portal da igreja, e diante dele já se chegou?

mas agora estou interessada pelo mistério do espelho

procuro um meio de pintá-lo ou falar dele com a palavra. mas o que é um espelho? não existe a palavra espelho, só existem espelhos, pois um único é uma infinidade de espelhos. em algum lugar do mundo deve haver uma mina de espelhos? espelho não é coisa criada e sim nascida? não são precisos muitos para se ter a mina faiscante e sonambúlica: bastam dois, e um reflete o reflexo do que o outro refletiu, num tremor que se transmite em mensagem telegráfica intensa e muda, insistente, liquidez em que se pode mergulhar a mão fascinada e retirá-la escorrendo de reflexos dessa dura água que é o espelho. como a bola de cristal dos videntes, ele me arrasta para o vazio que para o vidente é o seu campo de meditação, e em mim o campo de silêncios e silêncios. e mal posso falar, de tanto silêncio desdobrado em outros

espelho? esse vazio cristalizado que tem dentro de si espaço para se ir para sempre em frente sem parar: pois espelho é o espaço mais fundo que existe. e é coisa mágica: quem tem um pedaço quebrado já poderia ir com ele meditar no deserto. ver-se a si mesmo é extraordinário. como um gato de dorso arrepiado, arrepio-me diante de mim. do deserto também voltaria vazia, iluminada e translúcida, e com o mesmo silêncio vibrante de um espelho

a sua forma não importa: nenhuma forma consegue circunscrevê-lo e alterá-lo. espelho é luz. um pedaço mínimo de espelho é sempre o espelho todo

tire-se a sua moldura ou a linha de seu recortado e ele cresce assim como água se derrama

o que é um espelho? é o único material inventado que é natural. quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem se ver, quem entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio, quem caminha para dentro de seu espaço transparente sem deixar nele o vestígio da sua própria imagem - esse alguém então percebeu o seu mistério de coisa. para isso há de surpreendê-lo quando está sozinho, quando pendurado num quarto vazio, sem esquecer que a mais tênue agulha diante dele poderia transformá-lo em simples imagem de uma agulha, tão sensível é o espelho na sua qualidade de reflexão levíssima, só imagem e não o corpo. corpo da coisa

ao pintá-lo precisei de minha própria delicadeza para não atravessá-lo com minha imagem, pois espelho em que eu me veja já sou eu, só espelho vazio é que é o espelho vivo. só uma pessoa muito delicada pode entrar no quarto vazio onde há um espelho vazio, e com tal leveza, com tal ausência de si mesma, que a imagem não marca. como prêmio, essa pessoa delicada terá então penetrado num dos segredos invioláveis das coisas:

viu o espelho propriamente dito

e descobriu os enormes espaços gelados que ele tem em si, apenas interrompidos por um ou outro bloco de gelo. espelho é frio e gelo. mas há a sucessão de escuridões dentro dele - perceber isto é instante muito raro - e é preciso ficar à espreita dias e noites, em jejum de si mesmo, para poder captar e surpreender a sucessão de escuridões que há dentro dele. com cores de preto e branco recapturei na tela sua luminosidade trêmula. com o mesmo preto e branco recapturo também, num arrepio de frio, uma de suas verdades mais difíceis: o seu gélido silêncio sem cor. é preciso entender a violenta ausência de cor de um espelho para poder recriá-lo, assim como se se recriasse a violenta ausência de gosto da água

não, eu não descrevi o espelho - eu fui ele. e as palavras são elas mesmas, sem tom de discurso

bem sei que terei que parar. não por falta de palavras mas porque estas coisas e sobretudo as que só penso e não escrevi - não se dizem. vou falar do que se chama a experiência. é a experiência de pedir socorro e o socorro ser dado. talvez valha a pena ter nascido para que um dia mudamente se implore e mudamente se receba. eu pedi socorro e não me foi negado. senti-me então como se eu fosse um tigre com flecha mortal cravada na carne que estivesse rondando devagar as pessoas medrosas para descobrir quem teria coragem de aproximar-se e tirar-lhe a dor. e então há a pessoa que sabe que tigre ferido é apenas tão perigoso como criança. e, aproximando-se da fera, sem medo de tocá-la, arranca a flecha fincada

e o tigre? não se pode agradecer. então eu dou umas voltas vagarosas em frente à pessoa e hesito. lambo uma das patas e depois, como não é a palavra que tem então importância, afasto-me silenciosamente

o que sou neste instante? sou uma máquina de escrever fazendo ecoar as teclas secas na húmida e escura madrugada. há muito já não sou gente, quiseram que eu fosse um objeto. sou um objeto. objeto sujo de sangue. sou um objeto que cria outros objetos e a máquina cria a nós todos. ela exige. o mecanicismo exige e exige a minha vida

mas eu não obedeço totalmente: se tenho que ser um objeto que seja um objeto que grita. há uma coisa dentro de mim que dói. ah como dói e como grita pedindo socorro. mas faltam lágrimas na máquina que sou, sou um objeto sem destino. sou um objeto nas mãos de quem? tal é o meu destino humano. o que me salva é grito. eu protesto em nome do que está dentro do objeto atrás do atrás do pensamento-sentimento

sou um objeto urgente

agora - silêncio e leve espanto

porque às cinco da madrugada de hoje, 25 de julho, caí em estado de graça

foi uma sensação súbita mas suavíssima. a luminosidade sorria no ar: exatamente isto. era um suspiro do mundo. não sei explicar, assim como não se sabe contar sobre a aurora a um cego. é indizível o que me aconteceu em forma de sentir: preciso depressa de tua empatia. sinta comigo. era uma felicidade suprema

mas se você já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. não me refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece aos que lidam com arte

o estado de graça de que falo não é usado para nada

é como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe e existe o mundo

nesse estado, além da tranquila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão leve. é uma lucidez de quem não precisa mais adivinhar: sem esforço, sabe. apenas isto: sabe. não me pergunte o quê, porque só posso responder-te do mesmo modo: sabe-se

e há uma bem aventurança física que a nada se compara, o corpo se transforma num dom. e se sente que é um dom porque se está experimentando, em fonte direta, a dádiva de repente indubitável de existir milagrosamente e materialmente

tudo ganha uma espécie de nimbo que não é imaginário: vem do esplendor da irradiação matemática das coisas e da lembrança das pessoas, passa-se a sentir que tudo o que existe respira e exala um finíssimo resplendor de energia. a verdade do mundo, porém, é impalpável

não é, nem de longe, o que mal imagino deve ser o estado de graça dos santos. este estado jamais conheci e nem sequer consigo adivinhá-lo. é apenas a graça de uma pessoa comum que a torna de súbito real porque é comum e humana e reconhecível

as descobertas, nesse sentido, são indizíveis e incomunicáveis. e impensáveis. é por isso que na graça eu me mantive sentada, quieta, silenciosa. é como numa anunciação. não sendo, porém, precedida por anjos. mas é como se o anjo da vida viesse me anunciar o mundo

depois, lentamente, saí. não como se tivesse estado em transe - não há nenhum transe - sai-se devagar, com um suspiro de quem teve tudo como o tudo é. também já é um suspiro de saudade. pois tendo experimentado ganhar um corpo e uma alma, quer-se mais e mais. inútil querer: só vem quando quer e espontaneamente

essa felicidade eu quis tornar eterna por intermédio da objetivação da palavra, fui logo depois procurar no dicionário a palavra "beatitude" que detesto como palavra e vi que quer dizer gozo da alma... fala em felicidade tranquila - eu chamaria, porém, de transporte ou de levitação. também não gosto da continuação no dicionário que diz: "de quem se absorve em contemplação mística". não é verdade: eu não estava, de modo algum, em meditação, não houve em mim nenhuma religiosidade. tinha acabado de tomar café e estava simplesmente vivendo ali sentada com um cigarro queimando-se num cinzeiro

vi quando começou e me tomou. e vi quando se desvaneceu e terminou. não estou mentindo. não tinha tomado nenhuma droga e não foi alucinação. eu sabia quem era eu e quem eram os outros

mas agora quero ver se consigo prender o que me aconteceu usando palavras. ao usá-las estarei destruindo um pouco o que senti - mas é fatal. vou chamar o que se segue de "à margem da beatitude". começa assim, bem devagar:

quando se vê. o acto de ver não tem forma - o que se vê às vezes tem forma, às vezes não. o ato de ver é inefável. e, às vezes, o que é visto também é inefável. e é assim certa espécie de pensar-sentir que chamarei de "liberdade" só para lhe dar um nome. liberdade mesmo - enquanto ato de percepção - não tem forma. e como o verdadeiro pensamento se pensa a si mesmo, essa espécie de pensamento atinge seu objetivo no próprio ato de pensar. não quero dizer com isso que é vagamente ou gratuitamente. acontece que o pensamento primário - enquanto ato de pensamento - já tem forma e é mais facilmente transmissível a si mesmo, ou melhor, à própria pessoa que o está pensando; e tem por isso - por ter forma - um alcance limitado. enquanto o pensamento dito "liberdade" é livre como ato de pensamento. é livre a um ponto que ao próprio pensador esse pensamento parece sem autor

o verdadeiro pensamento parece sem autor

e a beatitude tem essa mesma marca. a beatitude começa no momento em que o ato de pensar liberou-se da necessidade de forma. a beatitude começa no momento em que o pensar-sentir ultrapassou a necessidade de pensar do autor - este não precisa mais pensar e encontra-se agora perto da grandeza do nada. poderia dizer do "tudo". mas "tudo" é quantidade, e quantidade tem limite no seu próprio começo. a verdadeira incomensurabilidade é o nada, que não tem barreiras e é onde uma pessoa pode espraiar seu pensar-sentir

essa beatitude não é em si leiga ou religiosa. e tudo isso não implica necessariamente no problema da existência de um deus, estou falando é que o pensamento do homem e o modo como esse pensar-sentir pode chegar a um grau extremo de incomunicabilidade - que, sem sofisma ou paradoxo, é, ao mesmo tempo, para esse homem, o ponto de comunicabilidade maior. ele se comunica com ele mesmo

dormir nos aproxima muito desse pensamento vazio e, no entanto, pleno. não estou falando do sonho que, no caso, seria um pensamento primário. estou falando em dormir. dormir é abstrair-se e espraiar-se no nada

acabou-se agora a cena que minha liberdade criou

estou triste. um mal estar que vem de o êxtase não caber na vida dos dias. ao êxtase devia se seguir o dormir para atenuar a sua vibração de cristal ecoante. o êxtase tem que ser esquecido

e deus é uma criação monstruosa. eu tenho medo de deus porque ele é total demais para o meu tamanho

e também tenho uma espécie de pudor em relação a ele: há coisas minhas que nem ele sabe

eu, que sou doente da condição humana, eu me revolto: não quero mais ser gente. quem? quem tem misericórdia de nós que sabemos sobre a vida e a morte quando um animal - que eu profundamente invejo - é inconsciente da sua condição? quem tem piedade de nós? somos uns abandonados? uns entregues ao desespero? não, tem que haver um consolo possível. juro: tem que haver

ah! viver é tão desconfortável. tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incômodo. não se pode andar nu nem de corpo nem de espírito

morrer deve ser uma muda explosão interna. o corpo não aguenta mais ser corpo

eu não tenho é coragem de dizer a verdade que nós sabemos. há palavras proibidas

mas eu denuncio, denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer - e respondo a toda essa infâmia com, exatamente, isto que vai agora ficar escrito - e respondo a toda essa infâmia com a alegria. puríssima e levíssima alegria. a minha única salvação é a alegria. uma alegria atonal dentro do "it" essencial. não faz sentido? pois tem que fazer, porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas - porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável

estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. como resposta. amor impessoal, amor.- é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina

e a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como, mas tem que ser. viver é isto: a alegria. e conformar-me não como vencida mas num allegro com brio

tudo acaba mas o que te escrevo continua. o que é bom, muito bom. o melhor ainda não foi escrito. o melhor está nas entrelinhas

quer ver como continua? esta noite - é difícil te explicar - esta noite sonhei que estava sonhando. será que depois da morte é assim? o sonho de um sonho de um sonho de um sonho?

aquilo que ainda vai ser depois - é agora. agora é o domínio de agora. e enquanto dura a improvisação eu nasço

e eis que depois de uma tarde de "quem sou eu" e de acordar à uma hora da madrugada ainda em desespero - eis que às três horas da madrugada acordei e me encontrei. fui ao encontro de mim. calma, alegre, plenitude sem fulminação. simplesmente eu sou eu. e você é você. é vasto, vai durar

o que te escrevo é um "isto", não vai parar: continua

olha para mim e me ama. não: tu olhas para ti e te amas. é o que está certo

o que te escrevo continua e estou enfeitiçada