26/10/2022

livro anónimo II

de que serve a literatura na era da bestialidade?

este livro nasceu para a fogueira

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advertência


esta obra é totalmente impessoal, in-concebida, onde, mais redigido que autor, infiro o conhecimento generalizado

não pude, no entanto, impedir-me de a concretizar, antes por motivos ético-bióticos que por vaidade, visando destruir ilusões coloridas pela imaginação e recusando, de todas as formas, assumir qualquer modelo identificativo, elemento publicitário ou símbolo, dado que a minha existência, se comparada com os contemporâneos com quem tenho razões de sobra para estar solidário, não se apresenta mais digna de ser admirada ou invejada, evitando colocar-me na condição mercantilizada em que o charlatão vende o nome como marca

seria demasiado fácil, e até obscena, a embriaguez que pretendesse afirmar manifestação de talento, em vez de necessidade vital, na recolecção destas palavras

assim como todos os vivos morrerão, seremos esquecidos e anónimos; questão de tempo


“não será bom que todos leiam as páginas que se seguem; só alguns saborearão este fruto amargo sem perigo

consequentemente, alma tímida, antes de penetrares mais fundo nestas laudes inexploradas, dirige os teus passos para trás e não avances”

(Lautréamont)


“para elevar a leitura à dignidade de “arte” é mister, antes de mais nada, possuir uma faculdade hoje muito esquecida (por isso há-de passar muito tempo antes de os meus escritos serem “legíveis”) que exige qualidades bovinas; falo da qualidade de ruminar!”

(F. Nietzche)


todo o conhecimento e sabedoria são, enquanto “herança arcaica” (Freud) - e não existem sem ela - património colectivo da humanidade, mesmo se surgentes em um só indivíduo, resultando do labor conjunto ancestral que lavrou os meios disponíveis ao seu despontar, constatação e revelação

fulanizar o saber é vã vaidade exacerbada e expropriação de territórios de pertença à, e provenientes da, comunidade vivente

se os movimentos falassem, pretender-se-ía um livro praticamente dançado, de coreografia improvisada, irrepetível e, por cada indivíduo, diferentemente experienciada no corpo todo; livro-vida

“livro anónimo II”