10/07/2012

silêncio

a callarse

agora contemos até doze
e fiquemos quietos

por uma vez sobre a terra
não falemos nenhum idioma
detenhamo-nos por um segundo
não movamos tanto os braços

num minuto fragrante,
sem pressa, sem motores,
todos juntos
numa estranheza íntima
instantânea

todos nós, na terra, parados

sem confundir o que sugiro
com a completa inactividade
a vida é o que é e continua

visto que não nos encontramos
neste esforço constante
por manter a nossa vida em movimento
talvez por uma vez sem fazer nada
talvez num grande silêncio
possamos interromper esta tristeza
este nunca nos entendermos
e ameaçarmo-nos com a morte

talvez a terra nos ensine:
como quando tudo parece morto no inverno
e logo renasce

agora contarei até doze:
fiquem calados e eu parto


pablo neruda

(trad e adapt / nc)

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pido silencio

agora deixem-me tranquilo
agora habituem-se a mim

vou fechar os olhos

e quero apenas cinco coisas

o amor sem fim,
o outono e as suas folhas,
o inverno grave,
carícia do fogo no frio silvestre,
o verão, redondo de melancia
e os teus olhos - que tu sejas a primavera!
não quero ser sem que me olhes

amigos, é só isto que quero
é quase nada e quase tudo

e agora, sim, peço que se vão

vivi tanto que um dia terão,
forçosamente, que esquecer-me
apagar-me, porque o meu coração
foi interminável

mas porque peço silêncio
não pensem que vou morrer

pelo contrário:
acontece que vou viver-me

acontece que sou e prossigo

passa-se apenas que dentro de mim
crescerão cereais - começando pelos grãos,
que rompem a terra para verem a luz

mas a mãe terra é escura
e dentro de mim sou escuro
sou como um poço em cujas águas
a noite deixa as suas estrelas
enquanto segue sozinha pelo campo

acontece que vivi tanto
que quero viver outro tanto

nunca me senti tão sonoro
nunca tive tantos beijos

agora, como sempre, é cedo
a luz voa com as suas abelhas

deixem-me só com o dia

peço permissão para nascer



pablo neruda

(trad e adapt / nc)

devoção



mistérios

você chegou feito um silêncio
pra seduzir minha canção
feito uma folha na correnteza
feito um vento varrendo o chão

você chegou feito um mistério
pra confundir minha visão
feito um presente da natureza
quem mandou, coração?

um fogo queimou dentro de mim
que não tem mais jeito de se apagar
nem mesmo com toda a água do mar
preciso aprender os mistérios do fogo
pra te incendiar

um rio passou dentro de mim
que eu não tive jeito de atravessar
preciso um navio pra me levar
preciso aprender os mistérios do rio
pra te navegar

vida breve
natureza
quem mandou, coração?

um vento bateu dentro de mim
que eu não tive jeito de segurar
a vida passou pra me carregar
preciso aprender os mistérios do mundo
pra te ensinar

joyce / maurício maestro

verdade



o que será (à flor da pele)

o que será que me dá
que me bole por dentro, será que me dá
que brota à flor da pele, será que me dá
e que me sobe às faces e me faz corar
e que me salta aos olhos a me atraiçoar
e que me aperta o peito e me faz confessar
o que não tem mais jeito de dissimular
e que nem é direito ninguém recusar
e que me faz mendigo, me faz suplicar
o que não tem medida, nem nunca terá
o que não tem remédio, nem nunca terá
o que não tem receita

o que será que será
que dá dentro da gente e não devia
que desacata a gente, que é revelia
que é feito uma aguardente que não sacia
que é feito estar doente de uma folia
que nem dez mandamentos vão conciliar
nem todos os unguentos vão aliviar
nem todos os quebrantos, toda alquimia
que nem todos os santos, será que será
o que não tem descanso nem nunca terá
o que não tem cansaço, nem nunca terá
o que não tem limite

o que será que me dá
que me queima por dentro, será que me dá
que me perturba o sono, será que me dá
que todos os tremores me vêm agitar
que todos os ardores me vêm atiçar
que todos os suores me vêm encharcar
que todos os meus nervos estão a rogar
que todos os meus órgãos estão a clamar
e uma aflição medonha me faz implorar
o que não tem vergonha nem nunca terá
o que não tem governo nem nunca terá
o que não tem juízo

chico buarque