10/07/2017

the line






the line

there's an old song
my grandfather used to sing
that has the question,
"or would you rather be a fish"?

in the same song
is the same question
but with a mule and a pig

but the one i hear sometimes in my head
is the fish one
just that one line
would you rather be a fish?

as if the rest of the song
didn't have to be there

ron padgett

24/06/2017

o haver



o haver

resta acima de tudo
essa capacidade de ternura
essa intimidade perfeita com o silêncio
resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
perdoai! eles não têm culpa de ter nascido
resta esse antigo respeito pela noite
esse falar baixo
essa mão que tateia antes de ter
esse medo de ferir tocando
essa forte mão de homem
cheia de mansidão para com tudo o que existe
resta essa imobilidade
essa economia de gestos
essa inércia cada vez maior diante do infinito
essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
essa irredutível recusa à poesia não vivida
resta essa comunhão com os sons
esse sentimento da matéria em repouso
essa angústia da simultaneidade do tempo
essa lenta decomposição poética em busca de uma só vida, uma só morte
um só vinicius
resta esse coração queimando como um círio
numa catedral em ruínas
essa tristeza diante do cotidiano
ou essa súbita alegria
ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória
resta essa vontade de chorar diante da beleza
essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
essa imensa piedade de si mesmo
essa imensa piedade de sua inútil poesia
e sua força inútil
resta esse sentimento da infância subitamente desentranhando de pequenos absurdos
essa tola capacidade de rir à toa
esse ridículo desejo de ser útil
e essa coragem de comprometer-se sem necessidade
resta essa distracção, essa disponibilidade
essa vagueza de quem sabe que tudo já foi
como será, como virá a ser
e ao mesmo tempo esse desejo de servir
essa contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje
resta essa faculdade incoercível de sonhar, de transfigurar a realidade
dentro dessa incapacidade de aceitá-la tal como ela é
essa visão ampla dos acontecimentos
e essa impressionante e desnecessária paciência
e essa memória anterior de mundos inexistentes
e esse heroísmo estático
e essa pequenina luz indecifrável
a que às vezes os poetas chamam de esperança
resta essa obstinação em não fugir do labirinto
na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente
e essa coragem indizível diante do grande medo
e ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva
resta esse desejo de sentir-se igual a todos
de refletir-se olhares sem curiosidade e sem história
resta essa pobreza intrínseca
esse orgulho
essa vaidade de não querer ser príncipe senão do seu reino
resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
resta esse eterno morrer na cruz dos seus braços
e esse eterno ressuscitar para ser recrucificado
resta esse diálogo cotidiano com a morte
esse fascínio pelo momento a vir
quando emocionada ela virá me abrir a porta, como uma velha amante
sem saber que é a minha mais nova namorada

vinicius de moraes


08/05/2017

bendición y dicha




pequeña serenata diurna

vivo en un país libre 
cual solamente puede ser libre 
en esta tierra, en este instante 
y soy feliz porque soy gigante 

amo a un hombre, claro, 
que amo y me ama 
sin pedir nada 
- o casi nada, 
que no es lo mismo 
pero es igual

y si esto fuera poco, 
tengo mis cantos 
que poco a poco 
muelo y rehago 
habitando el tiempo, 
como le cuadra 
a un hombre despierto 

soy feliz, 
soy un hombre feliz, 
y quiero que me perdonen 
por este día 
los muertos de mi felicidad

silvio rodriguez

23/04/2017

12/02/2017

o olho divino



(...) Em face do seu ponto cego ou do olho câmara, o protagonista foi caçado, ou deixou-se caçar. A busca chegou ao seu termo, e o buscante encontrou o buscado que descobriu buscar-se a si mesmo.

Ora, se o vivo é a presa (e se, ao vermos Filme, sentimos que estar vivo é, até certo ponto, sentir-se preso ou perseguido), então a morte em nós é o animal que vence a luta pela vida. É o animal que, não morrendo, nos mata.

Chamo fera ancestral ao animal que nos persegue imemorialmente e que tem sido figurado, desde a pré-história, aparentando-se com o humano e simbolizando aquilo que literalmente nos ultrapassa ou trespassa. A fera representa, no ser humano, aquilo que o excede. E é essa excedência que o homem procura dominar, não menos imemorialmente, a começar pelos rituais de sacrifício. Com o sacrifício - e, sobretudo, com os sacrifícios inseparáveis dos rituais funerários - o homem tenta abater aquilo mesmo que o mata.

Mas Beckett suspende a acção no confronto final - sem que ninguém desfira o golpe mortal: Filme termina quando o baloiçar da cadeira se extingue. Com esta suspensão, Beckett mostra-nos o homem abandonado a si mesmo, convidando-o a renunciar à sua imemorial vontade predadora. Beckett mostra-nos que o destino moderno alterou definitivamente a posição do homem face ao sentido (ou à ausência de sentido) da sua própria vida, obrigando-o a abandonar a sua condição de "caçador de Deus" para assumir a de "presa" (de si mesmo). Tais são os termos exactos de Nietzche quando, num dos seus Ditirambos Dionisíacos, apostrofa uma vez mais Zaratustra:

Ó Zaratustra,
crudelíssimo Nimrod!
Há pouco ainda, caçador de Deus,
rede de agarrar toda a Virtude,
seta do Mal!
Agora -
por ti mesmo perseguido,
presa de ti mesmo,
em ti mesmo afuroado...

Zaratustra, ao deixar de ser identificado com o bíblico guerreiro Nimrod - o "poderoso caçador" que está "diante da face do Senhor" (Gn 10,9) -, deixa de ser identificado com todos os caçadores da história (e da pré-história). Zaratustra - "o sem-deus..." - senta cada ser humano enfim a sós consigo mesmo ou diante de si mesmo. O protagonista de Filme, neste sentido, representa uma espécie de Zaratustra semicego e consciente da cegueira do seu saber (ou da sua ciência).

A presa descobre-se caçada por si mesma - e não há provavelmente versos que melhor definam o destino do homem moderno (claramente denotado com o advérbio "agora"):

Agora -
solitário contigo,
em diálogo com a própria ciência,
entre cem espelhos
falso ante ti mesmo, entre cem lembranças
incerto,
cansado a toda a ferida,
frio a todo o gelo, esganado nos teus próprios baraços
Conhecedor de ti mesmo!
Carrasco de ti mesmo!

(...)

Agora -
entre dois nadas
enroscado,
um ponto de interrogação,
um enigma estafado -
um enigma para aves de rapina...

(Nietzche "Entre Aves de Rapina")

Mas o que o destino moderno põe assim a descoberto é um saber arcaico que não mais pode ser iludido. Um saber de terror feito que é a memória da presa em nós: a memória que se confunde com a própria emergência da espécie humana. Talvez seja necessário precisar que o homem viveu na qualidade de caçador-recolector durante 2 990 000 anos (!), ou seja, durante mais de 99% do tempo de toda a história humana, incluindo o do surgimento da espécie. Se a hominização fosse narrada num filme com a duração de 100 minutos, o homem deixaria de ser caçador apenas nos derradeiros segundos (uma vez que o hominídeo existe há cerca de três milhões de anos)...

O medo da presa - um medo escancarado em todos os olhares de Filme - é o nosso medo ancestral: medo do homem em ser devorado pelo seu próprio vazio. Mas medo também, paradoxalmente, sem o qual não seríamos humanos: seres abertos para a criação e para a auto-destruição, seres dispostos a amar e a matar.

_____

A selvajaria está em nós. Já o deveríamos saber pelo curso que a história (a pré-história) do Mal encetou até nós.

(A fera - a fera pronta a saltar na selva - é indissociavelmente o ser que nos mata e o ser que nos ama: eis o meu princípio de leitura da extraordinária novela de Henry James, "The Beast in the Jungle")

_____

Matar (um pouco) a morte - ser imortal - esteve na origem das primeiras imagens. Mas a imagem não mata, como nos ensina o mito de Perseu. A imagem inclui o olhar de presa do seu próprio criador, inclui a provação de uma morte iminente e de uma ressureição imaginária. O homem procura ver a sua morte e ver a sua angústia: procura contemplar-se, como Perseu, num espelho abissal. Se é indubitável que a imagem mantém um vínculo com a caça, convém insistir que o criador volta então a ser um caçado - e que é por isso que a fera ancestral (numa ambiguidade já presente na Medusa) oscila entre a beleza fascinante e o horror da morte.

Jamais suprimiremos aquilo a que Bataille chamava, no léxico do seu comentário sobre Hegel, "o ser natural do homem": "Se o animal que constitui o ser natural do homem não morresse, mais ainda: se ele não tivesse a morte em si como a fonte da sua angústia [Bataille emprega portanto o mesmo termo de Beckett - e de muitos outros...], tanto mais forte que ele a procura, a deseja e por vezes a ela se entrega voluntariamente, não haveria nem homem, nem liberdade, nem história, nem indivíduo."

O "ser natural do homem" é a presa em nós aceitar ser presa, aceitar que, até certo ponto, se está preso, talvez seja esse o princípio paradoxal da libertação humana. Em contrapartida, querer vencer ou capturar a fera - querer ser ontologicamente imune - , eis o princípio do Mal. É diante da iminência do Mal, como diante da possibilidade do Bem, que Beckett nos deixa suspensos. Face ao olho de Filme, que se fechará definitivamente.

_____

Afrontar com a câmara aquilo que não morre e que nos mata implica dar forma ao olho divino. Talvez tenha sido isso que Beckett sugeriu quando acabou por definir a câmara com a expressão the savage eye - ou, de acordo com a sua própria tradução francesa: l'oeil fauve ("o olho selvagem").

_____

"O olho selvagem" é o olho divino que a câmara objectiva e que o projector nos devolve. A fera - o animal jamais domesticado (humanizado) - é a mais arcaica figuração do divino.




extraído de:

Tomás Maia

O OLHO DIVINO - Beckett e o Cinema

Sistema Solar (Documenta) 2016

10/01/2017

they were all my pets

                                        http://www.tribeofheart.org/sr/wit_portuguese.htm


sure, he was my son

but i think to him they were all my sons

and i guess they were, i guess they were


arthur miller

(they were all my sons - 1947)