30/12/2014

zimbro






coisas sensíveis em equilíbrio




o que está a acontecer - acontece - é um facto, porque está a deixar de acontecer
nada se repete, nada permanece idêntico a si mesmo
as Coisas - todas elas - são incessantemente outra coisa,
ou seja, a vida é a morte do que acontece,
um único movimento de fluxo, impensável, com risos e com lágrimas, imenso, sem ruptura nem limites, sem tempo, sem contra tempo

se tal não acontecesse, se as Coisas fossem imortais, o mundo aos nossos olhos não teria expressão, seria sempre a mesma coisa, talvez qualquer coisa, que nem sequer uma coisa de plástico é.

tanto o conhecido que já está acumulado na memória, como o desconhecido que ainda não está, mas que em breve passará a estar, são as gravações, os registos das Coisas que percepcionamos: objectos, acções, acontecimentos, experiências, encontros, etc

esses registos auxiliam-nos na relação com o mundo, são úteis, graças a eles executamos as tarefas no domínio prático, mas não são nem as Coisas nem as percepções, são o (nosso) registo

o que quer que seja só pode ser abordado segundo um aspecto,
e, segundo esse aspecto é registado na memória.
é impossível abordar e registar completamente uma Coisa, apenas se regista uma parte; aquela que importa ou que convém

daí que, mesmo útil, todo o registo seja parcial

não se pode compreender inteiramente uma Coisa em nenhuma visão de pormenor,
só implicitamente podemos abranger a (sua) totalidade

mas, como isso não é registável (pela memória) nem comprovável (pelo pensamento)
não servindo nenhuma comparação, sem qualquer utilidade imediata e pessoal, é posto de lado porque não serve para nada

e o que é registado, por ser mastigável pelo pensamento (um glutão que não se rala nada com parcialidades) passa a ser considerado real

deste modo, aquele que "quer" ver tudo, para ver tudo "como quer", separa-se daquilo que vê
e cria uma visão fragmentada do mundo,
onde o mundo é visto como se fosse constituído por coisas independentes,
estilhaços ou fragmentos, cujo fragmento central é o "eu" que tudo quer

não obstante a gravidade da incorrecção, isso é transmitido, é propagado, é ensinado,
e o ensino é uma dessas coisas fragmentadas

consciente ou inconscientemente, este processo permite que o uso do registo da memória - o pensamento - venha ocupando cada vez mais um lugar de privilégio, invadindo e apoderando-se do frágil lugar da realidade - nova e desconhecida - pondo-se à frente de tudo, como a água de uma enxurrada, inundando e distorcendo a percepção do puro acontecimento - condicionando a Coisa que é

que nunca é tão simplista quanto o pensamento gosta de fazer crer, para dar a impressão de a poder dominar quando a autopsia explicando-a à (sua) vontade

de tal modo o homem vem permitindo que o pensamento invada esse campo - de novidade desconhecida - mesmo à sua frente, que aquilo que "vê", porque deixa de ver - ao voltar a cabeça, indo dormir, etc. - deixa de ter importãncia real diante daquilo a que chama "realidade" e que, na realidade, é o que "pensa ter visto"

neste insustentável processo, que magoa há milhares de anos, onde cada vez mais ele se deixa abusar pelo que tem fixo na mente,
há uma coisa que se deteriora - e vê-se - a olhos vistos: a sensibilidade
aquilo que dá resposta viva a tudo o que incessantemente muda, quer no exterior quer no interior do ser vivo


manuel zimbro

história secreta da aviação